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LEBLANC...

O primeiro encontro é sempre um marco na vida de um homem, e, no meu caso, significa meu primeiro contato com os alvos. Preciso fazer uma leitura do trabalho: Quantos seguranças? Quais locais frequenta? Quem poderia ser incriminado?

Matar é fácil, esconder as evidencias é uma obra de arte.

Eu lido com minhas vítimas como um empacotador lida com encomendas. Nunca é pessoal. Se eu me prender aos detalhes e me sensibilizar, me perco. Não vejo uma pessoa, vejo um trabalho.

Estaciono a moto na lateral da rua e retiro o capacete. Do outro lado, há uma pequena loja de cafés artesanais, cuja dona é Maria, mãe de duas crianças pequenas. A loja foi reformada no último ano, porque vândalos a incendiaram. E por que eu sei de tudo isso? Porque é aqui que Angelic compra seu café favorito; café com leite de amêndoas, chantilly e essência de menta.

Desço o pé de apoio da moto e aguardo. Após alguns minutos, o segurança pessoal de Angelic, Marcos, sai da loja segurando uma sacola. Ele é um ex-lutador de MMA que se aposentou após fraturar a perna direita.

Há três carros em fileira. Marcos olha para todos os lados da rua, inclusive para mim, mas eu não passo de um cidadão americano em sua moto classe média. Ele entra no segundo carro, onde, provavelmente, o presidente e sua filha estão. Observo os carros se afastarem, abrindo espaço no transito sem esforço. Todos os outros carros se afastam para que eles passem.

Esta é a rota diária deles. Às sete, em ponto, pai e filha saem juntos. Ela vai para sua aula particular de dança e ele para a Casa Branca. Ela almoça no estúdio, volta para casa às duas da tarde e se prepara para a faculdade. Claro, não presencial.

Angelic é proprietária de uma construtora, mesmo ainda sendo aluna de engenharia. Ela tem um programa de auxílio aos pobres, no qual reconstrói prédios abandonados para que moradores de rua tenham um lar. Amável, eu diria.

Eu ainda não a vi. A segurança é profissional e bem treinada, cobrindo todo o perímetro e evitando que ela seja até mesmo vista. O carro tem vidros escuros, blindados. Sem redes sociais ou fotos na internet. Tudo faz parte de um protocolo, há aqueles que dizem que ela corre riscos que nenhuma outra pessoa corre.

Ao meu redor, a cidade funciona como um trem de carga desgovernado. Pessoas atrasadas correndo para a estação de trem, um transito dos infernos, barulho, poluição e pressa. Para mim, isso é mais fatal do que um tiro.

Colocando o capacete e acelerando na avenida, na direção oposto a que o carro presidencial foi, piloto pelas ruas de Nova Iorque até chegar na parte da cidade que eu mais gosto: o gueto.

Pode parecer hipócrita, já que sou fã do luxo, mas a pobreza me cativa. Quando uma pessoa tem nada, ela precisa se mover para ter algo. Ser criativa, inovadora, lutar na selva da vida para sobreviver. Mas quando você é apenas um riquinho mimado, ser bom em algo é a porra do mínimo.

Chegando ao Bronx, um dos bairros mais pobres e violentos da região, desacelero. Eu nunca me esqueço de um lugar, um rosto, um endereço, e por isso sei exatamente que caminho seguir, mesmo nas vielas estreitas.

Os prédios laterais são antigos e de tijolos aparentes. A empresa de Angelic parece não ter consciência de que existem prédios a serem reformados aqui também. Há crianças maltrapilhas nas ruas, mendigos enrolados em cobertores sob as pontes, drogados e prostitutas. Enquanto isso, o carro presidencial traça uma rota especifica para que a daminha tome seu café favorito todas as manhãs.

Estaciono na parte inabitável do Bronx, o lugar que é tão podre que nem as pessoas mais pobres se atrevem a morar. O esgoto desce a céu aberto, e o cheiro só não é pior do que a visão.

ÚLTIMA DANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora