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LEBLANC...

As gotas de água caindo no telhado e escorrendo pela parede até o chão; o cheiro de mofo no lado de dentro, e terra molhada no lado de fora; os cantos dos móveis cobertos por teia de aranha e poeira. Eu noto absolutamente tudo, pois meus sentidos se encontram em alerta máximo.

Ouço um pequeno burburinho no andar de cima. Eu e Valentino nos encaramos enquanto uma porta é aberta e fechada, sem vozes, apenas o melancólico som da fechadura. Depois, passos fortes clicam o chão de madeira acima de nós, e meu coração segue o ritmo dos passos.

Valentino sabe que eu estou apreensivo. Ele sabe que Angelic é importante para mim, do contrário, eu não estaria aqui. A matemática é simples.

Valentino desvia os olhos de mim apenas quando volta a comer, como se não estivesse fazendo um inferno do caralho na minha vida. Como se não estivesse acabando com ela. Ele espeta o tomate com o garfo e come, torturantemente e lentamente.

Esfrego as mãos em minhas coxas para me livrar do suor frio. Pela visão periférica, noto quando quatro pernas pontam nos primeiros degraus da escada. Preciso prender a respiração para não arfar como um desesperado.

Não é a primeira vez que me encontro em perigo, mas é a primeira vez que sinto medo. Medo real e cru, em sua essência mais primitiva. Medo de nunca a ver novamente. Medo de viver em um mundo onde ela não existe. Medo de encarar aquele cachorro feio que ela chama de Sorvete e dizer que ele também nunca mais a verá.

Medo. Apenas medo.

Eu me viro completamente para a escada. As duas pessoas descem mais alguns degraus, e então vejo ela. O alívio é como deitar em uma cama de algodão. No entanto, tão rápido quanto veio, minha felicidade vai embora. Ao lado de Angelic está um homem, segurando seu braço como se houvesse alguma possibilidade de ela fugir. Em sua outra mão há um revólver, e apenas um idiota acharia que não está engatilhado.

Ele não precisa fazer isso. Ele sabe que não. Ela não vai correr, e mesmo que o faça, não chegará longe. É a porra de uma casa do lago, no extremo sul da Itália. Mas ele quer demostrar ter controle, poder, sobre a situação.

Os olhos azuis dela se voltam para mim, e, se Deus existe, eu juro por ele que meu coração jamais doeu tanto. Ela está tão assustada que consigo ver suas pupilas dilatadas, implorando silenciosamente para que tudo isso termine.

E quanto mais eu olho para Angelic, mais alimento a fúria dentro de mim. Para além de apavorada, ela tem um corte no lábio inferior. A raiva que sinto poderia iluminar a Itália inteira, mas não tem muita serventia, já que Valentino fez sua melhor jogada. Ele usou a única arma que tinha contra mim.

Ele me deu todos os motivos para ferver de raiva, mas também me deu todas as razões para fazer absolutamente nada. Ficar imóvel e assistir enquanto machucam e assustam minha garota.

Quando o homem arrasta Angelic para o último degrau da escada, eu me levanto. Que inferno. Eu já explodi um edifício por muito menos.

- Valentino – quando seu nome sai da minha boca, eu não sei se é uma ameaça ou um pedido. Eu não sei se estou prestes a implorar para que ele deixe Angelic em paz ou se estou prestes a degolar seu pescoço.

No entanto, assim que meus olhos encontram Angelic novamente, eu sei que sou incapaz de tentar algo contra Valentino. Não quando isso pode custar a vida dela.

Angelic ainda está usando minha camisa, agora mais amarrotada do que nunca. Seu cabelo está preso no que, em algum momento, foi um coque. Vê-la assim me faz lembrar da nossa última noite juntos, ou de todos os dias nos quais ela esteve comigo. Naquele tempo, eu faria qualquer coisa para estar ao lado dela, e esse meu egoísmo custou o que eu mais prezava: o bem dela.

ÚLTIMA DANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora