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ANGELIC...

Às vezes, precisamos de grandes curativos para grandes feridas. Mas, às vezes, precisamos apenas de um demorado banho para curar aberturas doloridas. Digo, sinceramente, quando toda aquela água quente desliza pelo meu corpo, é como se estivesse me expurgando.

É por isso que termino o banho com certo pesar. Eu poderia passar o dia inteiro dentro do box.

Enrolo uma toalha em meu corpo. O aroma ao redor do banheiro tornou-se habitual para mim. O cheiro é claramente masculino, mas, de alguma forma, eu não me importo em ter o cheiro dele. Na verdade, quando estou sozinha durante a madrugada, sinto seu cheiro ao meu redor, e quase posso me convencer de que ele está ao meu lado.

Caminho até o espelho embaçado sobre a pia e encaro meu reflexo. Viro a cabeça de um lado para o outro, analisando a marca em meu pescoço. Os dedos de Vicenzo gravados em mim. Sinto a bile subir na garganta, no entanto, me recuso a vomitar novamente.

Não posso sentir nojo de mim mesma. Não foi culpa minha.

Constantemente, eu me lembro do acontecido no hospital. Eu beijei Vicenzo, por livre e espontânea vontade. O desgraçado pode dizer que me tocou com consentimento, pelo menos uma vez em sua miserável vida.

Aperto a toalha ao meu redor e saio do banheiro. Há apenas uma parede de vidro transparente entre o quarto e o banheiro, o que significa que ambos cômodos têm visão um para o outro. Às vezes, confesso, eu imagino como seria dividir isso com LeBlanc. Como seria estar na banheira enquanto ele está na cama? Ele iria me observar? Iria até mim? Me pediria para vir até ele?

Balanço a cabeça. Eu quase posso sorrir de mim mesma. Quase. Se não fosse deprimente, eu sorriria.

LeBlanc não me tocou depois do que houve na faculdade, há três dias. Ele mal falou comigo. Saindo antes de eu acordar, voltando quando já estou dormindo...

E eu juro por Deus que tentei pensar nas possibilidades. Ele pode estar apenas ocupado, certo?

No entanto, aquela parte magoada e pessimista de mim insiste em pensar que ele está com... não sei, talvez nojo?

Ele sabe que não foi culpa minha, e sabe que Vicenzo é um rato nojento. Mas as marcas estão em mim. Eu não sou mais a garota perfeita e imaculada que ele viu no salão de festas da Casa Branca, naquela noite. Eu não sou mais a filha do presidente. Eu não sou mais a menina pura e ingênua que visitava a igreja, incansavelmente, todos os dias.

Eu simplesmente não sou mais eu.

Ouço passos do lado de fora do quarto, e isso me dispersa. Supostamente, eu estava sozinha no apartamento. A pessoa caminha pelo corredor em passos pesados. Eu passei algumas noites acordada, e pude ouvir LeBlanc chegar tarde em casa, caminhar pelo corredor e entrar no quarto de hóspedes. Todos os dias, religiosamente, eu me concentrei na única coisa que tinha dele - o som de seus passos.

LeBlanc para do lado de fora do quarto. Vejo a sombra dos pés na fresta debaixo da porta. Prendo a respiração, com medo de emitir o menor ruído. Mas, confesso, a expectativa começa a fervilhar em mim.

Eu não quero seus sentimentos. Não gosto dele, e não quero que goste de mim. Mas eu quero, desesperadamente, que ele entre neste quarto, me deite na cama, abra minhas pernas e faça algo útil com seus dedos. É puramente carnal, porque eu nunca tive isso antes.

Caminho até a porta lentamente, na ponta dos pés. Levo a mão até a maçaneta, mas não a abro. Olho para baixo, e a sombra de seus pés ainda está lá.

Santa Mãe de Deus.

Desenrolo a toalha e deixo o tecido felpudo cair no chão. LeBlanc não se aproximou desta porta nos últimos dias, e agora ela é tudo que existe entre nós. Uma porta. Vinte centímetros de distância.

ÚLTIMA DANÇAOnde histórias criam vida. Descubra agora