Prólogo

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Guilherme Monteiro Bragança saiu do fórum com alguns milhões de reais a menos na conta, algumas propriedades a menos em seu portifólio e dezoito anos a menos para viver.

Saiu também com uma aliança na mão esquerda e a alma leve.

Naquela manhã, havia assinado seu divórcio com a ex-modelo Rose Grava, encerrando um casamento de dezoito anos e uma crise que se arrastava há pelo menos três. Tinha se casado com Rose após um namoro relâmpago de dois meses, iniciado em Paris, em parte porque ela havia descoberto a gravidez do único filho do casal, mas também porque ele havia se apaixonado por ela como nunca tinha lhe acontecido antes.

E por dezoito anos havia lutado por aquele amor e seu casamento, mas estava cansado. Entrando no carro dirigido por seu motorista e fiel escudeiro, Odailson, um paraibano arretado que se considerava tijucano 'raiz', lembrou-se da última briga com a agora ex-mulher.

Rose havia organizado um jantar com alguns amigos do casal e feito Guilherme prometer que estaria presente. Segundo ela, estava cansada de ser a 'vela', a única sozinha na turma de casais. Guilherme, com a maior boa vontade, havia garantido que sua agenda estava livre na data que ela havia selecionado, e realmente estava.

O que ele não poderia prever era que, quando estava prestes a sair da clínica para ir ao abençoado jantar, José Maria Meireles, paciente seu de muitos anos, chegaria conduzido pela família, todos desesperados porque o senhor estava com uma angina que não passava mesmo após o homem tomar a medicação recém-revisada por Guilherme e sua sócia, Joana.

A realização de um eletrocardiograma revelou que o paciente estava sofrendo um infarto e, para salvá-lo, seria necessário realizar uma cirurgia de urgência. Guilherme orgulhava-se de ter sido, por três vezes, escolhido o melhor cirurgião cardíaco da América Latina e também de nunca ter perdido um paciente. Por isso, quando seu José olhou para Guilherme e disse baixinho que só confiava nele para salvar-lhe a vida, Guilherme não foi capaz de recusar.

Em vez de entrar no carro para voltar para casa e para o jantar com a esposa, dirigiu-se à sala de operações, preparando-se para realizar o que mais amava: cirurgia.

Por mais de seis horas Guilherme focou-se em restituir o coração de seu José a um estado que lhe permitisse certa qualidade de vida, sem nem lembrar de pedir a alguém que avisasse a Rose sobre o contratempo. Somente perto das duas da manhã, quando saiu da sala de cirurgia e deu a boa notícia à esposa e aos filhos do paciente de que ele ia viver, é que se lembrou da própria família.

Sua primeira reação foi um extremo cansaço, pois sabia que, quando chegasse em casa, encontraria Rose furiosa, pronta para brigar com ele. Não pela primeira vez, pensou em dormir pela clínica mesmo, mas, se fizesse aquilo, só iria alimentar a raiva da esposa e causar uma discussão ainda mais grave.

Por isso, entrou no próprio carro e dirigiu-se para sua casa.

Como previsto, Rose era a única pessoa acordada na enorme mansão adquirida por Guilherme logo após o retorno dos recém-casados ao Brasil. Os pais de Guilherme, o filho do casal e a criada já haviam se recolhido e, quando Guilherme entrou no quarto, encontrou Rose praticamente espumando de raiva. Quem não a conhecesse bem não perceberia, mas ele conhecia bem o brilho em seus olhos quando ela estava pronta para uma briga.

– Onde você estava? – Rose perguntou, com a voz fria. – Nós tínhamos um jantar, você esqueceu?

– Onde mais eu estaria? – Guilherme respondeu no mesmo tom. – Na clínica, Rose. Apareceu uma cirurgia de emergência. Eu não ia deixar um paciente morrer para vir falar com pessoas que eu posso ver sempre que quiser.

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