Capítulo 3

449 29 25
                                    

O livro indicado por Antônio era realmente muito interessante. Era uma trama policial, envolvendo clonagem e coleta de órgãos no mercado negro, e Guilherme estava absorto na leitura enquanto seus colegas de voo conversavam animadamente. Ouviu, à distância, o espocar de uma rolha de champanhe, seguindo pelo som borbulhante da bebida sendo servida numa taça. A aeromoça espremeu-se pelo estreito corredor da aeronave, servindo os outros tripulantes, e aproximou-se com passos leves de onde Guilherme estava acomodado.

– Champanhe? – Veio a voz doce, suave, quase gentil.

Guilherme sentiu um arrepio ao ouvir aquela voz e, automaticamente, aprumou a postura, endireitando os ombros. Conhecia aquela voz. Conhecia-a muito bem. Ouvia-a quase todas as noites em seus sonhos, chamando-o de doutor das galáxias, dizendo que ela era a mulher da vida dele.

Ergueu o rosto, encarando, no mundo real, o rosto que assombrava suas noites. O nariz fino e empinado, a boca carnuda, rosada e bem-desenhada. Os olhos escuros e hipnóticos, contornados por um delineado azul. Em seus sonhos a mulher tinha cabelos negros e lisos, mas a moça diante dele tinha cabelos com mechas loiras. Entretanto... era ela. A mulher dos seus sonhos.

Quando seus olhos encontraram os dela, ela empalideceu, arregalando as piscinas escuras, e a bandeja em sua mão vacilou. Instintivamente, apoiou-se no assento mais próximo, e Guilherme, sem nem pensar, estendeu a mão para impedir que a bandeja caísse da mão dela. Quando sua pele roçou na dela, uma corrente elétrica percorreu ambos, e Guilherme sentiu um arrepio na espinha.

Era como se, naquele rosto que havia saído diretamente de seus sonhos, encontrasse uma peça que há muito faltava em sua vida, talvez sempre tivesse faltado.

– Você – balbuciou ela, os olhos arregalados de choque.

– Você – repetiu ele, sufocando a vontade instintiva de acariciar aquele rosto que imaginava jamais ver quando acordado. Ela era ainda mais bonita do que em seus sonhos, e ele se sentia como um adolescente apaixonado pela primeira vez, hipnotizado por aquela mulher cujo nome ele desconhecia.

Era como se seu coração despertasse pela primeira vez, batesse pela primeira vez, sincronizasse com o da beldade desconhecida diante dele. Ela o encarava com a mesma avidez que ele a ela, os olhos escuros registrando cada detalhe do seu rosto, um brilho de incredulidade nas piscinas negras.

– Como... – Ele engasgou, pigarreou e tentou de novo – Como é o seu nome?

– Flávia – disse ela, sem hesitar. Desmoronou na cadeira diante da dele, olhando-o fascinada – E o seu?

– Guilherme – ele respondeu. Sufocou a vontade de estender a mão e tocar o rosto dela.

Antes que pudessem prosseguir, o avião jogou. Flávia olhou assustada para Guilherme, e Paula estremeceu em sua cadeira. Só Neném parecia tranquilo.

– Isso é normal. Turbulência, já aconteceu muito comigo, vida de jogador – explicou ele.

Flávia levantou-se e foi em direção à cabine de Jairo, com Guilherme na cola dela. Para o desespero e pânico de ambos, Jairo estava desacordado diante do leme.

– Não tem ninguém pilotando esse avião – gritou a moça, apavorada. Guilherme, saindo do transe em que se encontrava desde que viu Flávia, adiantou-se e apoiou dois dedos sobre a veia no pescoço de Jairo, empalidecendo ao não detectar qualquer frequência cardíaca.

– Ele morreu – disse, com a voz cheia de aflição. Virou-se para Flávia – Você sabe pilotar?

– Não – disparou a garota. O avião começou a seguir em ritmo de queda sobre algumas árvores. Guilherme sentou-se na cadeira do co-piloto e tentou contato com a rádio, sem sucesso, enquanto Flávia se agarrava aos ombros dele. Na cabine, Paula era praticamente atirada no colo de Neném, os dois abraçados com expressões de pânico.

everything has changedOnde histórias criam vida. Descubra agora