Capítulo 2

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Guilherme

O tempo estava fechado mesmo, o céu preto e carregado de nuvens quando Odailson chegou ao aeroporto Santos Dumont. Embora o ambiente dentro do carro fosse leve, com Guilherme cantando baixinho junto com o rádio, o motorista tinha um pressentimento ruim, olhando ressabiado para o céu escuro.

– Doutor, o senhor tem certeza que vai viajar mesmo hoje? – Perguntou enquanto saía do carro e abria a porta de Guilherme – Tá um tempo horrível.

– Vou sim, Odailson. Minha conferência começa amanhã cedo e vai durar o dia todo, devo voltar amanhã à noite mesmo. Já está tudo acertado com o Jairo, ele está me aguardando. E às vezes é só nuvem mesmo, só aqui no Rio. No caminho o tempo vai melhorando. Quando eu embarcar amanhã, te aviso pra vir me buscar, ok?

O paraibano olhou meio em dúvida para seu patrão, mas não disse nada. Em silêncio, limitou-se a pedir a seu padrinho Padre Cícero que protegesse o doutor e que seu pressentimento fosse apenas isso, uma sensação ruim.

Guilherme pegou a pequena mala de rodinhas e se dirigiu ao terminal. Apesar do mau tempo, a área de check-in estava bastante agitada. Por sorte, Guilherme já havia feito o check-in online e não ia despachar mala; por isso, dirigiu-se diretamente à área de embarque.

Para a preocupação de Guilherme, e o desespero de Odailson já a caminho da casa do médico, no Leblon, a chuva começou a cair forte. O paraibano intensificou as orações por seu patrão, encomendando-o a Padre Cícero e a Santa Dulce dos Pobres. O doutor agora que estava começando a deixar de ser o homem neurastênico e irritado dos últimos anos, se reaproximando do filho e convivendo melhor com os funcionários e até mesmo os pais (embora dona Celina fosse uma peste da pior espécie). Que nada acontecesse com ele naquela viagem.

O próprio médico estava sentado numa das cadeiras, aguardando o horário de seu voo, quando seu piloto de confiança, Jairo, o abordou. Guilherme usava os serviços de Jairo há muitos anos, desde quando o piloto havia se aposentado da aviação comercial. Embora o homem estivesse indicando há alguns meses que planejava parar de pilotar por completo, Guilherme confiava apenas nele e o havia convencido a fazer aquela última viagem.

– Doutor Guilherme?

– Oi, Jairo – respondeu o médico, sem levantar os olhos do celular, onde estudava alguns exames e casos recém-chegados à clínica onde exercia seu ofício.

– Eu vou ter de aguardar uma brecha na tempestade para poder decolar – disse o piloto, ansioso. O doutor era um cliente difícil e exigente, e provavelmente estava ainda pior agora que havia se separado da dondoca a quem chamava de esposa. Jairo não a suportava. Ela parecia trazer à tona o pior lado do doutor – Não tem condição de irmos assim.

Guilherme suspirou com impaciência. A conferência no dia seguinte era importante, pois possibilitaria a expansão da Clínica Monteiro Bragança para o mercado paulistano, o mais concorrido e mais moderno do país. Há muito tempo Guilherme planejava abrir uma filial da clínica em São Paulo, porém somente agora estava fazendo contatos importantes para esse sonho.

– Não tem condição de não ter condição, Jairo – disse ele com frieza – A gente vai decolar nem que chova canivete.

Estavam nessa conversa quando uma mulher magra, usando um conjunto amarelo forte e muitas joias, com cabelos castanhos aloirados soltos e equilibrada em saltos muito altos abordou o médico. Jairo aproveitou a distração para escapulir dali.

– Oi – disse a mulher, sorrindo de modo persuasivo. Guilherme a olhou com desconfiança – Você deve me conhecer. Eu sou Paula Terrare. Me disseram que você é o doutor Guilherme Monteiro, é isso? E alugou um avião?

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