Capítulo 1

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Paula

Nove horas da manhã. A agitação da sede da Terrare Cosméticos não era inesperada, pois a empresa vivia fervilhando de atividade, mas naquele dia em especial os funcionários estavam mais alvoroçados que o comum. Quem usava sapatilhas trocava os sapatos por saltos altíssimos. Quem estava sem maquiagem aplicava batom e rímel. Quem se limitava a bisbilhotar as redes sociais abria os arquivos parados há alguns dias. Uma secretária ocupava-se em desarrumar cuidadosamente revistas de moda sobre uma mesinha. Um garçom abria uma garrafa de Perrier com gás e servia em uma taça de cristal finíssimo.

Tudo porque a poderosa e implacável presidente da empresa, Paula, estava chegando. Paula era a viúva de Celso, fundador da empresa – morto em circunstâncias misteriosas há alguns anos –, e mãe da única herdeira do império, Ingrid, jovem tímida e reservada. Era uma mulher forte, corajosa e destemida, exigente com quem a cercava, criativa e inteligentíssima, usando de todas as suas armas para vencer a guerra comercial contra sua principal concorrente, Carmem Wollinger.

A rivalidade entre Paula e Carmem ia além das empresas. Na juventude, Carmem tinha sido noiva de Celso até ele conhecer e apaixonar-se por Paula, que, na época, era uma mera funcionária da Terrare. Carmem nunca tinha perdoado Paula pela perda de Celso e, à boca pequena, dizia-se que a platinada acusava a morena da morte do ex-noivo.

Quando o elevador abriu no andar do escritório de Paula, ela saiu. Era uma mulher alta, muito magra, com longos cabelos ondulados, castanhos com pontas loiras. Usava um vestido vermelho e óculos escuros, e trazia na mão uma clutch da mesma cor. O vice-presidente da empresa, Marcelo Pereira, a aguardava com um pote branco sem rótulo, o qual continha um creme claro.

– Meu creme masculino pro corpo inteiro que eu ainda não tenho nome? – Perguntou ela, mergulhando os dedos no creme e esfregando-o na pele. Tinha unhas longas, também vermelhas. Levou os dedos até o nariz, aspirando o aroma enquanto se dirigia à sala. Soltou um gemido deliciado, enquanto Marcelo também sentia o perfume. – Ah, Marcelo, este creme me traz cheiro de... liberdade. – Entregou a clutch à funcionária mais próxima, enquanto pegava uma xícara de chá do garçom. – Me fala, esse creme tem cheiro de quê?

– Falência – Marcelo respondeu, sem hesitar.

– Falência? – Paula repetiu, cética. – O creme tem cheiro de falência?

Marcelo disfarçou a vontade de sorrir. Quem o visse veria apenas um rosto bonito e preocupado, mas nos olhos claros havia o brilho da vitória. Marcelo tinha um plano e uma ambição, mas, para atingir seu objetivo, precisava tirar Paula de cena.

– A Cosméticos Terrare está falindo, Paula – insistiu Marcelo, ainda segurando o pote de creme.

– Mas não vai falir! – Exclamou a poderosa, irritada. – Vira essa boca pra lá!

– A gente tá cheio de dívidas. As vendas caíram muito por causa da pandemia – Marcelo explicou. – Sou o vice-presidente da empresa, é minha obrigação lhe contar.

Paula sufocou a ponta de desespero que ameaçou sua tranquilidade e sentou-se em sua cadeira.

– Esse creme vai virar o jogo da nossa empresa, porque ele tem cheiro de liberdade, de esperança. – A empresária sorriu levemente. – De poder. Todo mundo vai amar!

Marcelo revirou os olhos e não se deu ao trabalho de disfarçar. Paula estava alucinando, de novo. A empresa estava cada vez mais afundada em dívidas, e só havia um caminho, uma saída digna para isso.

– Paula – disse ele, cuidadoso. – Você não acha melhor vender logo a Cosméticos Terrare?

A morena colocou a xícara sobre a mesa e estreitou os olhos, olhando fixamente para seu vice-presidente. Marcelo era macaco velho, não dava ponto sem nó. Se ele havia tocado no assunto, era porque já estava pensando nisso há algum tempo.

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