Capítulo 7

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Nota da Autora: A primeira parte deste capítulo acontece simultaneamente ao quatro e cinco

O clima dentro do carro de Odailson estava péssimo. Antônio estava branco como um papel, agarrado na mão de seu Daniel, que estava com os olhos vermelhos das lágrimas não derramadas. Dona Celina, revoltadíssima, praguejava contra a injustiça da vida ao levar seu filho quando ele ia começar a viver. Deusa tinha ficado na casa, misturando lágrimas com a água que usava para faxinar o chão, e o próprio Odailson a muito custo estava controlando a vontade de morrer de chorar.

O doutor Guilherme não merecia ter morrido. Odailson trabalhava na casa desde que Tigrão era pouco mais que um bebê, e seu patrão sempre tinha sido um homem difícil, nervoso, irritado, exigente. Porém, o nordestino conseguia perceber, por baixo daquela fachada complexa e rígida, lapsos de um homem de bom coração. Ele era um marido dedicado, um filho respeitoso, um pai apaixonado pelo único filho.

Infelizmente, e isso era visível desde quando Odailson havia começado a trabalhar com o doutor, todos esses sentimentos nobres e bons não eram retribuídos na intensidade com a qual eram dedicados. Dona Rose não amava o marido e não era feliz no casamento. Dona Celina tinha uma necessidade doentia de controlar o filho, e seu Daniel não tinha coragem para enfrentá-la. E Antônio não entendia que, por trás daquele homem formal, tradicional, sério e reservado, havia um pai que, por ele, seria capaz de matar e de morrer.

Porém, nos últimos seis meses, isso havia mudado. Seu patrão havia, finalmente, percebido que o que ele estava vivendo não era vida e revirado tudo de cabeça para baixo. Tinha se separado de dona Rose, comprado um lindo apartamento em Ipanema e se reaproximado do filho. Sua expressão, antes tão séria e sisuda, estava mais leve e tranquila. Os dois até conversavam nas idas e vindas pelo Rio de Janeiro, o que não acontecia antes.

E agora isso.

Não, seu patrão realmente não merecia ter morrido. Ele era um homem bom, um bom patrão, e merecia ter vivido muitos anos de vida depois de tamanha transformação.

O motorista respirou fundo e cerrou os dentes. Seus olhos estavam marejados, e Odailson pensava que, se começasse a chorar, não ia parar. E precisava levar a família do doutor em segurança até o aeroporto.

Antônio estava olhando sem ver para a paisagem do lado de fora da janela. A chuva continuava caindo muito forte, mas as pessoas ainda iam e vinham em seus caminhos, vivendo suas vidas como se nada tivesse acontecido.

Como se o mundo, como Antônio o conhecia, não tivesse desmoronado, para nunca mais voltar.

Sentia-se vazio, oco, morto. Seu pai, seu ídolo, a quem tanto amava e admirava, não era mais parte daquele mundo. E Antônio simplesmente não tinha mais em quem se apoiar.

Sim, porque, com todos os seus muitos defeitos, apesar das diversas brigas e conflitos entre eles, a única coisa constante na vida do adolescente, especialmente nos últimos seis meses, era a presença forte, estável e confiável de seu pai no seu dia-a-dia. Podia contar com o pai para tudo, principalmente desde o início do processo de separação.

E, por mais que amasse a mãe, para Antônio era inquestionável que ela estava completamente perdida desde que o pai havia decidido dar fim ao casamento deles. Ela ainda vivia às custas do ex-marido e parecia mais frágil do que antes. Para o rapaz, estava evidente que, apesar das muitas queixas a respeito de Guilherme, sua mãe realmente não queria se separar e usava as ameaças de divórcio para tentar enquadrá-lo a ser como ela queria que ele fosse.

Porém qualquer um podia ver que Guilherme estava muito mais feliz depois do divórcio. O médico havia começado a tratar o filho como um adulto, deixando claro que, agora, a família consistia apenas neles dois. Também fazia questão de agendar programas com o rapaz e de ouvi-lo em seus desabafos, queixas e problemas sem criticar, mostrando a Antônio quem Guilherme era, como pessoa, não só como pai.

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