Capítulo 10

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Juca estava sentado no sofá de sua sala, olhando com uma leve sensação de depressão a cabeça da fantasia de pato que sempre usava para ajudar Odete, sua esposa, a vender as quentinhas com as quais ela conseguia o sustento da família. Por mais que fosse grato à mulher pelo esforço dela, não conseguia de deixar de sentir uma profunda humilhação, pois não conseguia arranjar emprego em sua área apesar de ser um excelente padeiro e confeiteiro.

Desde a noite anterior, estava com uma sensação estranha, um aperto no coração. Tinha tido uma noite atormentada por pesadelos com Flávia, sua única filha, o maior amor de sua vida, seu orgulho. Sua menina era linda, inteligente, carinhosa, esforçada. Era tão parecida com Eliete... o mesmo olhar desafiador diante das agruras da vida, a mesma capacidade incansável de correr atrás do que queria.

Passou a mão pelo rosto, ouvindo ao longe a voz de Odete cantando no chuveiro, e ligou a televisão para se distrair. O jornal da manhã consistia em reprises de algumas matérias do jornal noturno da véspera, mas serviria para arrancar de sua cabeça os pensamentos deprimentes.

Piscou, surpreso, ao ver uma foto de Flávia na tela da televisão. Olhando cuidadosamente por cima de um ombro, a fim de assegurar que Odete não estava por perto, aumentou um pouco o volume da televisão, arregalando os olhos ao ouvir a parte final da narração do repórter:

Em depoimento, a criminosa entregou a verdadeira mentora e responsável pelo plano, a qual conseguiu escapar com a mala de dólares. A polícia promete uma recompensa a quem entregar pistas acerca do paradeiro de Flávia Santana.

Boquiaberto, agiu no instinto ao ouvir a porta do banheiro se abrindo e desligou a televisão.

– Juca – disse Odete, com a voz arrastada de sempre – cê já tá pronto? A gente não pode atrasar!

– Tô... tô quase – gaguejou ele, nervoso, puxando a gola da camiseta – Cê já tá pronta?

– Tô quase, me arrumo rapidinho – disse a cozinheira, indo para o quarto.

Logo em seguida, o celular de Juca começou a tocar. Era um número desconhecido, e ele franziu a testa, mas atendeu rapidamente.

Alô, pai?

Juca sentiu um alívio forte ao ouvir a voz da filha. Abaixando o volume da própria voz e olhando por cima do ombro para garantir que Odete ainda estava no quarto, ele se esforçou para manter o tom tranquilo.

– Flávia? Oi, filha. Onde você tá?

. . . . .

Flávia ficou tão emocionada ao ver o reencontro de Guilherme com o filho que sentiu uma saudade insuportável de seu próprio pai. À distância, o médico emoldurava o rosto do filho nas mãos e o enchia de beijos, arrancando risos do rapaz que enxugava os olhos ainda encharcados de lágrimas. Por isso, a dançarina rapidamente se aproximou de uma moça funcionária de uma companhia aérea e, dando seu melhor sorriso, pediu:

– Oi, tudo bem? Então... eu preciso fazer uma ligação rapidinho, será que você pode me emprestar o celular? – A moça, ocupada com uma ligação interna, colocou um celular antigo diante da Flávia, que agradeceu com um sorriso e rapidamente discou o número de seu Juca, mordendo o canto de uma unha enquanto esperava a ligação conectar.

– Alô, pai? – Perguntou quando ouviu uma respiração ofegante do outro lado da linha.

Flávia? – Disse a voz baixa, ansiosa e preocupada do pai, fazendo-a franzir a testa – Oi, filha. Onde você tá?

– Tô... – ela mordeu o lábio inferior, olhando ao redor e pensando rapidamente em como explicar ao pai onde se encontrava – Tô por aqui atrás de um emprego – explicou, fazendo uma careta diante da mentira contada ao pai – O senhor tá em casa?

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