Capítulo 20

42 7 9
                                    

Ninguém nos para
Responde essa charada
A vingança me chamou pra dança

(GOTHAM É AQUI, Baco Exu do Blues)


O sono entrecortado me fez acordar muito antes das 5h da manhã. Durante a noite, a iluminação do quarto estava inusitadamente mais forte, e isso me acalmou e me levou a dormir o suficiente para descansar a mente.

Mas, quando Rabela anunciou que Bertore me convidava para tomar café com ele, meus pensamentos voltaram a se agitar. Aceitei após me certificar de que apenas ele estaria à mesa comigo.

Não foi o macho descontraído da noite anterior quem encontrei, mas o Supremo Alfa sério. Depois de me cumprimentar e ajudar a sentar, ficou em silêncio.

Eu especulava o que teria ocasionado a mudança em suas atitudes.

Não era segredo que Bertore escondia informações de mim. Naquele instante, nunca quis tanto desvendar o que pensava. Passei a observá-lo sem discrição.

Estaria estressado por ter trabalho pela madrugada? Não... Bertore parecia adaptado à rotina cheia. Não era a primeira vez que fazia aquilo.

Levei a xícara de café à boca.

Aquele macho era temido pelo resto do mundo sobrenatural. Ainda lembrava do pavor que me causou na casa de Baldassare. Cada passo seu havia me levado para perto da morte. Agora eu convivia com ele... Em seu ambiente familiar havia uma intrusa. Para os Gaeli, ele era filho, irmão, tio, cunhado — um parente que conversava banalidades do cotidiano, sorria e cozinhava para eles.

Eu e Bertore éramos... conhecidos. Ele havia me permitido, ontem, ultrapassar a sua barreira de "ser poderoso" e conhecer o seu lado íntimo. A nossa interação foi extremamente íntima. Ele provavelmente se ressentia disso? Por isso voltou à postura impassível?

O acordo com Anara era mais jurídico do que pessoal, não havendo razão para intimidades entre os participantes. Eu não queria participar daquilo, aliás.

Eu jamais mencionaria o desejo que pairou entre nós na despedida da caminhada. Manteria, também, a postura distante que ele havia adotado.

Mastiguei uma fatia de maçã, tentando jogar para o fundo da mente a dúvida que surgiu. Ela veio à tona novamente quando sorvi mais café. Seria Baldassare assim? Teria uma personalidade apenas para os íntimos, e outra para o restante do mundo? O quão real foi a que utilizou comigo?

Eu já não via Bertore e sua frieza. Revivia mentalmente o momento anterior ao ataque. Xandre havia me agarrado contra o seu corpo. Eu acreditava que queria me proteger do possível perigo lá fora. E, ao ficar paralisado pela magia de Cairo, sem poder falar, existiam tantas emoções em seus olhos quando Tório me arrancou de seus braços. Gritavam palavras, sentimentos, algo, em silêncio. Impedido de me direcionar uma última palavra antes do caos. Além disso, aquela mulher com eles — ou melhor, aquela fêmea — estava disposta a morrer pelo seu Supremo, olhando para mim como se eu estivesse causando problemas para ele, e não o contrário. Quem era ela? Se Xandre era tão ruim, por que o amavam? Aqueles leões se contentavam com comida, proteção e lar, somente? Onde estavam a honra e o princípio? A quem realmente serviam?

Eu desejava ouvir a voz de Xandre Baldassare me afirmando quem ele verdadeiramente era.

— Não quero ser invasivo com suas emoções, mas não posso fingir que não sinto a tristeza vinda de você.

Pisquei, de repente. A sua voz me fez voltar a atenção a ele.

Bertore colocou o guardanapo sobre a mesa.

Teu Paradoxo Sou EuOnde histórias criam vida. Descubra agora