Capítulo 19

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Estou ouvindo vozes o tempo todo e elas não são minhas.

Elas estão assombrando minha mente.

[...] Dias escuros, eu não reconheço mais você.

(Black Out Days, Phantogram)


Ainda havia resquício do sol no céu quando iniciamos a caminhada. Eu acreditei (por alguma razão estúpida) que as trilhas da floresta seriam iluminadas à noite. Apenas o luar nos guiava pelo chão íngreme quando dobramos para a terceira trilha.

Bertore, um lobo, se sentia confortável na escuridão. Já no meu interior se iniciava um inferno particular. Tentei disfarçá-lo bem enquanto conversávamos. Pior do que sentir ansiedade e não ter uma explicação racional para o sentimento era ser incompreendida pelos outros. Parecia-me patético tentar explicar o medo abstrato da ausência de luz, principalmente ao Supremo Alfa dos Lobos. Eu não via o arvoredo calmo que nos rodeava. Não reconhecia que estava segura e sob a proteção do lobo mais temido no mundo sobrenatural. Não. O meu subconsciente me levava à escuridão de meu quarto na infância. Paulo dizia o quanto eu era má, e por isso o espírito de meu pai me visitaria à noite. Papai estava decepcionado comigo. Papai ainda me amava mais do que a Mãe Jasmim? Mas, pela manhã, Vovô Cairo dizia que eu não era uma menina ruim. A escuridão não podia me machucar nunca.

Cada palavra exigia esforço e concentração. Eu suportaria sozinha até voltarmos para a casa. Eu conseguiria. Eu conseguiria perguntar...

— Jasmim e Paulo não estão cumprindo com o combinado de permanecer escondido?

— O pai do menino não conhece o mundo sobrenatural. Foi inventada uma história mirabolante sobre o seu sumiço relacionado a uma facção criminosa. O intuito era causar medo nele, para que se refugiasse com o Feiticeiro. — Bertore balançou a cabeça em negação discreta. — Já a mãe da criança, mesmo conhecendo o real perigo que são os leões, não se importa. E influencia o marido a ser irresponsável.

Passei as mãos suadas na calça legging.

— Eles... Não me surpreendo. — Respirei fundo. — Jasmim só se importa consigo mesma. Apenas...

Interrompi-me quando uma clareira despontou à frente, completamente iluminada pela lua. Quase agradeci a qualquer deus quando paramos no meio da pequena ponte de madeira. Depois dela havia mais trilha escura. Apoiei-me na sua extremidade, aproveitando a claridade para reorganizar os pensamentos e falar com fluidez.

— Quero dizer que contanto que Davi esteja seguro, com Cairo o protegendo, não me importo com os atos dos outros dois.

Não fui protegida por Cairo, e não confiava nele, mas, além de mim que estava impossibilitada, ele era o único capaz de cuidar de Davi. Na verdade, poderia fazer isso melhor do que a mim, tendo em vista que era antigo e demonstrara seu poder imobilizando com feitiço Xandre e seus leões.

Bertore tentou me tranquilizar.

— Amanhã verá com os próprios olhos como seu irmão está. — A sua atenção estava na lua, mas eu percebia que me olhava de soslaio.

Estando na luz, me permiti observar a calmaria do ambiente. O silêncio. A quietude. Sentia-os adentrando em mim e me acalmando também. Regulei a respiração apreciando a brisa fria que arrastava folhas caídas.

Só então me voltei para Bertore, percebendo que o conjunto de moletom que usava o dava um aspecto jovial.

Os tênis brancos e caros fizeram barulho quando ele se voltou para mim.

Teu Paradoxo Sou EuOnde histórias criam vida. Descubra agora