Estou ouvindo vozes o tempo todo e elas não são minhas.
Elas estão assombrando minha mente.
[...] Dias escuros, eu não reconheço mais você.
(Black Out Days, Phantogram)
Ainda havia resquício do sol no céu quando iniciamos a caminhada. Eu acreditei (por alguma razão estúpida) que as trilhas da floresta seriam iluminadas à noite. Apenas o luar nos guiava pelo chão íngreme quando dobramos para a terceira trilha.
Bertore, um lobo, se sentia confortável na escuridão. Já no meu interior se iniciava um inferno particular. Tentei disfarçá-lo bem enquanto conversávamos. Pior do que sentir ansiedade e não ter uma explicação racional para o sentimento era ser incompreendida pelos outros. Parecia-me patético tentar explicar o medo abstrato da ausência de luz, principalmente ao Supremo Alfa dos Lobos. Eu não via o arvoredo calmo que nos rodeava. Não reconhecia que estava segura e sob a proteção do lobo mais temido no mundo sobrenatural. Não. O meu subconsciente me levava à escuridão de meu quarto na infância. Paulo dizia o quanto eu era má, e por isso o espírito de meu pai me visitaria à noite. Papai estava decepcionado comigo. Papai ainda me amava mais do que a Mãe Jasmim? Mas, pela manhã, Vovô Cairo dizia que eu não era uma menina ruim. A escuridão não podia me machucar nunca.
Cada palavra exigia esforço e concentração. Eu suportaria sozinha até voltarmos para a casa. Eu conseguiria. Eu conseguiria perguntar...
— Jasmim e Paulo não estão cumprindo com o combinado de permanecer escondido?
— O pai do menino não conhece o mundo sobrenatural. Foi inventada uma história mirabolante sobre o seu sumiço relacionado a uma facção criminosa. O intuito era causar medo nele, para que se refugiasse com o Feiticeiro. — Bertore balançou a cabeça em negação discreta. — Já a mãe da criança, mesmo conhecendo o real perigo que são os leões, não se importa. E influencia o marido a ser irresponsável.
Passei as mãos suadas na calça legging.
— Eles... Não me surpreendo. — Respirei fundo. — Jasmim só se importa consigo mesma. Apenas...
Interrompi-me quando uma clareira despontou à frente, completamente iluminada pela lua. Quase agradeci a qualquer deus quando paramos no meio da pequena ponte de madeira. Depois dela havia mais trilha escura. Apoiei-me na sua extremidade, aproveitando a claridade para reorganizar os pensamentos e falar com fluidez.
— Quero dizer que contanto que Davi esteja seguro, com Cairo o protegendo, não me importo com os atos dos outros dois.
Não fui protegida por Cairo, e não confiava nele, mas, além de mim que estava impossibilitada, ele era o único capaz de cuidar de Davi. Na verdade, poderia fazer isso melhor do que a mim, tendo em vista que era antigo e demonstrara seu poder imobilizando com feitiço Xandre e seus leões.
Bertore tentou me tranquilizar.
— Amanhã verá com os próprios olhos como seu irmão está. — A sua atenção estava na lua, mas eu percebia que me olhava de soslaio.
Estando na luz, me permiti observar a calmaria do ambiente. O silêncio. A quietude. Sentia-os adentrando em mim e me acalmando também. Regulei a respiração apreciando a brisa fria que arrastava folhas caídas.
Só então me voltei para Bertore, percebendo que o conjunto de moletom que usava o dava um aspecto jovial.
Os tênis brancos e caros fizeram barulho quando ele se voltou para mim.
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Teu Paradoxo Sou Eu
FantastikNely prefere erguer a arma para criminosos do que conviver com a própria família. A policial autêntica trabalha arduamente para conquistar a independência, seguindo o legado do pai. Nesse processo, a disciplina a conduz: deixou de fantasiar com a vi...