{6}Confusões na Antiguidade

138 28 315
                                    


— Agradeço imensamente o livramento.

— Livramento?

— Sim... Eu podia ter morrido se tivesse comido aquele purê — explico ao senhor, meu vizinho de poltrona.

Desde que acordou de sua soneca, ele começou a conversar comigo sobre diversos assuntos aleatórios. Eventualmente, o papo acabou caindo no que tem martelado meus pensamentos nesses últimos minutos.

Afinal, como não ia remoer o que houve?

Principalmente, depois de lembrar parte do sonho que eu tive. Meu pai disse algo sobre uma possibilidade de morte e, pouco depois, eu escapei de um possível choque anafilático.

É muita coincidência pra ser coincidência.

Talvez se eu tivesse demorado a acordar, o prato daquela mulher já teria chegado e, sem saída, ela comeria. Quando fizesse meu pedido já não conseguiria trocar com ninguém e aí acabaria provando da refeição fatal.

— Tenho uma alergia severa a castanhas. As piores são as portuguesas — continuo explicando. — Foi Deus que me livrou dessas.

— Ah, entendo... Bendito seja Deus.

— O senhor é cristão?

— Com todo coração — responde ele com olhar sonhador.

— Muito linda essa resposta — afirmo sorrindo.

— Porque há muita beleza na verdade — rebate o homem, me devolvendo o sorriso.

Depois disso, damos um tempo na conversa e, em meio à quietude, um rapaz, vestido de forma tão distinta e elegante quanto o senhor ao meu lado, se aproxima vagarosamente de nós dois.

Assim que se posta à nossa frente, ele faz uma mesura exagerada, cumprimentando em inglês tanto o senhor grisalho quanto eu.

— Lamento pela interrupção, prezado Fautier, mas precisaremos resolver um problema que surgiu há alguns minutos.

— Problema? Ah, não...

Diante da reação frustrada de seu conhecido, o recém-chegado começa a ficar vermelho e decide encarar a ponta dos sapatos antes de explicar:

— A senhorita Kolk passou mal e... acabou vomitando.

Puxa! Várias pessoas passando mal hoje.

— Espero que ela esteja melhor — Fautier comenta, observando o rapaz com expressão confusa —, mas, sem querer ser rude, em que isso é um problema para mim?

— É que... Foi em cima da Contax — responde o rapaz, me fazendo arregalar os olhos.

Uma Contax?

— Estragou? — Fautier pergunta espantado ao mesmo tempo em que coça a testa larga. — Que perda... Realmente uma pena.

Então ele suspira resignado e se larga na poltrona.

— Não sei exatamente se ela estragou, senhor, mas...

— O que fazia a senhorita Kolk, mantendo essa máquina ao alcance do vômito? — interrompe Fautier, se inclinando com olhar curioso.

— Ela a pegou no colo, na hora da turbulência, para tentar proteger.

Hum... Parece que não foi o plano ideal.

— Certo, então se não sabe se estragou... Qual é o problema que preciso resolver?

— Nós fizemos o possível para limpar... Tivemos que tirar algumas peças e...

Receoso, o rapaz para de falar e, mais uma vez, encara os próprios sapatos.

Um dia em ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora