{26}Misericórdia

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{21 horas em Paris}

"Quando passar pelo fogo, você não se queimará".

O fogo se espalha dentro do elevador por todos os cartazes com avisos. As chamas caem e atingem os tênis de "Galo na cabeça" que continua a rir até sentir o calor.

— Cara tá pegando fogo! — Ele diz meio surpreso meio rindo.

"Dente de ouro" tira a jaqueta onde algumas fagulhas tinham caído e a joga no chão quando percebe que está queimando. As pequenas chamas nela tremeluzem pelo vento que o movimento provoca, mas não se apagam.

Thierry me segura apoiando minhas costas e me põe de pé de olho fixos no fogo que aumenta. Dou um passo, tentando alcançar a jaqueta pra pisar sobre as chamas e abafar, mas "Dente de ouro" me empurra pra trás gargalhando.

"Galo na cabeça" retira os tênis onde algumas gotas alaranjadas caíram vindas de um dos cartazes e os chuta pra perto da jaqueta. Esses objetos amontoados no canto começam a se incendiar completamente.

— Apaga isso cara! — Thierry pede me protegendo atrás de suas costas.

— Tá com medinho é? — "Dente de ouro" zomba.

— Se você quer ser queimado vivo tem pessoas por aqui que não querem!

Os dois homens recomeçam suas gargalhadas sem sentido até que as labaredas alcançam a perna de "Dente de ouro". Assim que a calça jeans se queima e a pele arde, ele começa a se sacudir gritando pela dor que sente.

As mesmas labaredas atingem a roupa de "Galo na cabeça". Ele se afasta se debatendo contra a parede e eu e Thierry nos encolhemos no canto oposto o mais longe possível das chamas.

— Não dá pra ficar aqui! — "Galo na cabeça" grita subitamente aflito e se joga contra as grades da porta do elevador.

O "amigo" começa a rir apontando um dedo pro desespero dele. Thierry me deixa encolhida junto a parede e vai tentar ajudar o outro a abrir a porta. Com alguns solavancos fortes e bem dados, às grades começam a se afastar. A estrutura toda balança rangendo com alguns barulhos sobre nós. Ainda consigo ouvir os gritos das pessoas lá fora e passos pesados, como se estivessem correndo.

Thierry força a porta abrindo uma brecha e o rapaz aflito se força por ela saltando de dentro do elevador. Apoiando o corpo pra tentar manter as grades afastadas Thierry me olha impaciente.

— Vem Danna!

Lanço um ultimo olhar pra "Dente de ouro", que ainda se ocupa de rir e o vejo chutando a jaqueta em chamas como se fosse um brinquedo. Vou rapidinho até a saida. Passo me espremendo pelo espaço afastado, mas paro e me apavoro ao ouvir um estalo não muito reconfortante.

Encaro os olhos verdes de Thierry pouco tempo antes de outro estalo soar alto e ele me empurrar com força me fazendo cair no chão do lado de fora do elevador.

Me ergo o mais rápido que posso e seguro seu braço quando o elevador despenca um pouco abaixo do nível do primeiro andar. Com o baque repentino as portas se abrem completamente. As observo apreensiva, mas graças a Deus não voltam a se fechar.

Se tivessem feito isso teriam esmagado o braço dele e a culpa seria minha.

O apresso com o olhar, então Thierry se iça pra cima saindo do ambiente em chamas. Enquanto isso o líder dos arruaceiros finalmente compreende onde se meteu e grita por causa do fogo que volta a atingir suas pernas. As labaredas ficam altas e lambem o vidro do elevador aquecendo e esfumaçando. Logo o ar vai ficar irrespirável.

Olho pro lado e vejo "Galo na cabeça" sentado no chão respirando rápido e observando a queimadura feia que ganhou na canela. Thierry segura minha mão e observa pasmo o homem que ainda está no elevador. Me desvencilho dele e deito no chão próxima da beirada.

Um dia em ParisOnde histórias criam vida. Descubra agora