Capítulo 19

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Lembro-me de pouca coisa nos minutos seguintes. Lembro-me, por exemplo, de Mike me pegando no colo e indo para a Casa do Rio. Lembro-me de ver um borrão de pessoas, o Círculo íntimo, se levantando quando viram o nosso estado.

Lembro-me de ver minhas irmãs se aproximarem correndo e de Nestha me tomar dos braços de Mike, para logo depois me levar para um dos quartos de hóspedes e me deitar na grande e confortável cama.

Minha cabeça estava desnorteada, uma facada não teria me deixado pior. Uma parceira, outra. Só poderia ser brincadeira. Eu não posso ter outra responsabilidade dessas, não poderia falhar com mais outra alma.

Eu não aguentaria carregar o peso de mais uma morte da pessoa que mais amo no mundo, da minha alma gêmea. Morreria se algo acontecesse com minha parceira de novo, quase morri uma vez.

Sinto as mãos delicadas de minhas irmãs me despindo, o som de uma torneira sendo aberta e água escorrendo. Meu corpo é içado e depois abaixado novamente, mas dessa vez para dentro de uma banheira com água morna e sais perfumados.

Os ferimentos frescos ardem e tento me levantar, porém não consigo. Sinto mãos me segurarem no lugar pelos ombros, logo o rosto de Feyre aparece em meu campo de visão, ela fala algo que não consigo ouvir.

Olho ao redor e vejo que elas olhavam assustadas para o meu corpo cheio de cicatrizes. Estremeço. Droga, droga, droga! Odiava quando viam meu corpo. Odiava seus olhares de pena.

Com cuidado, como se eu fosse um filhote assustado, elas começaram a me banhar. As pequenas mãos de Elain faziam um cafuné maravilhoso enquanto lavava meus cabelos, estava com tanta terra e sangue que elas tiveram que trocar a água duas vezes.

Não lembro de muita coisa depois delas me levarem de volta para a cama, mas provavelmente Feyre curou meus machucados e elas me vestiram.

Minha noite foi turbulenta, pesadelos sobre a morte de minha parceira os preenchendo e me aterrorizando. As palavras do Suriel também se tornaram um pesadelo, uma maldição nessa noite.

Outra parceira.

A deusa Mãe me deu outra parceira.

Apenas a ideia de também falhar com ela me fazia estremecer. Não. Eu não erraria com ela, eu me comprometeria de corpo e alma com Malia. Errei com Sofia por não perceber seus sentimentos, suas angústias.

Não percebi o abismo no qual ela caia mais e mais com o passar do tempo. Eu ligava apenas para o meu navio e as missões, fiquei ambiciosa, estava me tornando uma pirata famosa afinal.

Até que um dia, quando voltei para nossa pequena casa em Rask com um lindo presente em mãos, percebi que era tarde de mais, algo tinha acontecido. Corri para o nosso quarto, ao abrir a porta encontrei Sofia morta, seu estado era o inicial da decomposição.

Uma adaga estava caída ao seu lado, os pulsos cortados e um rasgo na barriga.

Eu entrei em desespero, chamei por Mike,Alice e Astrid por meio de nosso vínculo, - ele foi feito quando nos conhecemos, juramos nunca abandonar um ao outro- eles apareceram no segundo seguinte.

Como estava em estava em estado catatônico, deixei que eles fizessem todo o enterro. Depois que Sofia foi enterrada, eu nunca mais pisei na quele lugar. Durante anos sofri por sua perda, por ter sido incapaz de impedir a tragédia.

Mas agora, agora era diferente, possuía uma segunda chance e não a desperdiçaria. Amaria Malia de todo o coração, não erraria com ela, ficaria ao seu encalço até que me expulsasse a base do chute.

Levanto-me da cama e vou tomar um banho, quando estou pronta para sair do quarto, volto e pego minhas luvas de couro que havia esquecido na mesa de cabeceira.

Agora sim estava pronta. Desço as escadas observando que agora, ao lado do único quadro meu que possuía antes na casa, havia um novo. Era um quadro meu, recém feito, conseguia sentir o cheiro da tinta fresca com o secante.

Na pintura, eu estava no meio de uma clareira lutando com um monstro com pele escamosa e nojenta, apenas uma adaga em mãos. Espera aí, essa cena, isso foi de quando capturei o líder das bestas ontem? Mas como? Como Feyre soube?

Enfim, não importava, eu tinha amado o quadro.

𝓒𝓸𝓻𝓽𝓮 𝓭𝓮 𝓣𝓮𝓶𝓹𝓮𝓼𝓽𝓪𝓭𝓮𝓼 𝓮 𝓝𝓪𝓾𝓯𝓻𝓪́𝓰𝓲𝓸𝓼 - 𝕃𝕚𝕧𝕣𝕠 𝟙Onde histórias criam vida. Descubra agora