Capítulo 3

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F R A N Ç A,  1 5 7 0.

Você fala muito sobre Deus
A liberdade vem do chamado
Mas não é isso o que esta vadia quer
Não é mesmo o que eu quero.
Money Power Glory | Lana Del Rey

A ferida não sangrou na manhã seguinte

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A ferida não sangrou na manhã seguinte. O pano com água morna que enfaixava minha mão ainda estava lá quando acordei, porém com sangue seco e pequenos vestígios de um novo possível sangramento, e agradeci aos céus por isso. Ainda ardia e eu evitava ao máximo contrair os dedos ou pegar objetos, mas iria sobreviver.

    Só torço para que não ocorra nenhum tipo de infecção ou algo relacionado; a última coisa da qual preciso é uma mão enfaixada apodrecendo aos poucos.

    Na noite passada, quando finalmente cheguei em meus aposentos após me perder duas vezes pelos corredores escuros, foi inevitável esconder o corte; o sangue havia sujado grande parte do meu vestido e deixado uma enorme trilha de pingos de sangue na madeira escura. Sophie me olhou com espanto e Magda apenas com uma expressão preocupada, mas nada disse. Elas já haviam aprendido a não questionar, a engolir sua curiosidade e serem corroídas por suas perguntas. Aliás, não era incomum eu aparecer machucada ou mancando.

    Passei uma espécie de creme para feridas feito de ervas verdes na extensão do ferimento e enfaixei com o pedaço de uma chemise. Não era muito, mas iria resolver o problema de qualquer forma. Eu só torcia para que melhorasse antes de todos começarem a fazer perguntas que não posso responder. Não seria apropriado saberem que a futura rainha da França sabe lutar como um general. Simplesmente não cairia bem. Em nenhum lugar.

As lembranças da noite anterior ainda são como chamas vivas queimando em minha pele. Talvez eu nunca seja capaz de esquecer o medo e horror que senti ao ouvir as palavras de Saymon, ainda mais quando me esfaqueei na falha tentava de provar ser algo a alguém. Foi humilhante mas ao mesmo tempo gratificante quando o deixei sem palavras, e sei que não deveria, mas eu gostei da sensação. Aquela sensação de poder, tão viciante quanto vinho e pão juntos em uma mistura de sabores.

Tive pesadelos assim que pregueei os olhos em um sono profundo, como se a escuridão estivesse mesmo me absorvendo após desejar tanto. Em meu sonho, eu era sequestrada do Castelo de Diósgyőr e levada até um bosque deserto por um homem desconhecido, e quando este tirava a máscara, revelava um rosto jovem e bêbado que dizia ser meu noivo, o rei da França.

   Despertei no mesmo instante com o coração galopando e o corte pulsando em minha mão, sem o sol para me iluminar. Ainda chovia um pouco lá fora, e nada nos céus transparecia qualquer sinal de um dia ensolarado. Nesses momentos eu sentia falta da Espanha, minha segunda casa, nação que esbanjava em dias quentes e invernos sem longa duração. E aparentemente, a França era totalmente o oposto.

CHARLES IX: The Malevolent King Onde histórias criam vida. Descubra agora