CAVERNA FANTASMA

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Príncipe Aaheru Runihura

Ouço o gotejar de uma infiltração, o que me leva a crer que lá fora está chovendo muito. Minhas mãos e pernas atadas são a certeza de que jamais sairei daqui com vida. Minha carne está lacerada pelos dias de tortura. Tudo por um token militar do qual eu jamais abriria mão ou colocaria na mão de traidores. Com certeza, eles não me conheciam, eu jamais cederia à tortura.
Não entendo o porquê do imperador, meu pai, ter escolhido essa estratégia, já que ele mesmo me forjara nela, inclusive neste mesmo lugar.

Tive uma infância miserável por ser filho de uma concubina que ele adorava, mas que morreu no meu parto; ele nunca me perdoou por isso.
Se não fosse pela imperatriz ter me adotado, eu não teria sobrevivido.
Lembro de que no meu aniversário de 10 anos fui enviado para esse lugar maldito, sob o pretexto de me tornar mais forte, mas tudo que ele queria era que eu morresse.
Aqui sofri dores e humilhações que uma criança não deveria sofrer, o que resultou na maioria das cicatrizes que tenho. Por sorte, consegui fugir e encontrei no caminho aquele que me salvou da ruína.
Na época, ele era o comandante militar e me levou pro campo de batalha. O token, foi uma herança que ele me deixou antes de morrer e depois de adulto, ao retornar para a cidade imperial, meu pai não teve outra escolha senão me reconhecer como herói de guerra. Conquistei essa posição por mérito e o bastardo jamais me tiraria isso, nem sob a pior das torturas.

Como as coisas chegaram nesse ponto?

Como previ, o movimento do exército inimigo para nossas fronteiras era de fato uma armadilha, só não previ que direcionada a mim.
Matei centenas deles antes de ser capturado, mas isso não era nada perto dos seus milhares. E obviamente, eles não vieram diretamente pro meu exército, mas na minha direção, no trecho da rota onde eu estaria mais vulnerável. Tudo isso somado a soldados inimigos infiltrados no meio dos meus, resultou na minha captura.
E cá estou, sem perspectiva de fuga.
Pois sim, meu pai fez sua lição de casa direitinho, desde que pude escapar desse lugar da primeira vez.

Nada disso me preocupa, no entanto. Tudo que desejo é poder ver minha princesa uma última vez. Porque digamos que por um milagre eu consiga sair daqui, jamais serei o guerreiro que fui; não depois que me deixaram tão quebrado para morrer no escuro e sozinho. Dei graças aos céus por eles não saberem da minha boa relação com a Yori, do contrário teriam me ameaçado com a vida dela.
Eu sabia que a expulsão da Erys geraria especulações, por isso tomei minha princesa escolhida em meus braços no meio do pátio, pois mesmo que não tenhamos sido vistos, ela não economizou nos gritos de prazer. E para quem de longe ouviu, ficou a impressão de que eu a estava punindo e desfavorecendo.

A questão agora é que estou debilitado e fraco; não como nem bebo nada há dias. E o sangramento dos cortes só piora minha situação. Minha consciência tem oscilado entre o que é real e o que não é. Sei que é minha mente pregando peças e realmente odeio ter que morrer de forma tão deprimente e desprezível. Um guerreiro deveria ter uma morte limpa, no campo de batalha, mas até isso o imperador tirano vai me negar. Ele não teve coragem de fazer isso olhando nos meus olhos, talvez porque eu o lembre da minha mãe.

Que velho covarde!

"Aaheru?"

Maldição! Estou ouvindo a voz da Yori nos meus delírios.

"Olhe para mim".

Não! Isso tem que parar.
De repente, sinto meu rosto arder.

" Abra os olhos, seu bastardo! Isso não é pra tanto".

É ela mesmo. Minha Yori está diante de mim e já não estou mais amarrado.

— Você é tão delicada! — balbucio com dificuldade — Já não estou suficientemente machucado?

— Não seja dramático! Só te dei uns tapas pra te acordar!

Só agora me dou conta de que há sangue fresco nas roupas dela, que certamente não é o meu.

— Você está ferida?!

— Só uns arranhões, mas tive que matar alguns pra chegar até você. — ela diz fazendo um carinho na minha bochecha — Se eu soubesse que estaria tão acabado, não teria vindo, só gosto de homens bonitos! — fala com um sorriso.

— Sua mulher travessa, só não vou te punir porque estou todo avariado!

— Ajuda aqui sombra! — ela chama, enquanto me dá um gole de água do seu cantil e é então que vejo o rosto daquele que tem me servido há anos.

Não consigo ficar grato a ele por tê-la trazido até esse lugar infernal. Agora seremos os três a padecer aqui.

— Escuta Yori, você tem que ir! — digo segurando seu rosto e vejo sua expressão de negação diante da situação que encontrou — Tire ela daqui, Darin! É meu último pedido!

Ele arregala os olhos para mim, claramente entendendo o significado de chamá-lo pelo nome; isso só acontece numa ocasião na vida de um sombra e essa ocasião chegou.
Eu o estava libertando de seus serviços, ele agora era livre para ir e não tinha mais nenhuma responsabilidade em me proteger.
Vejo-o bater a mão no peito num gesto de lealdade eterna que só os guerreiros sombras conhecem, o que significa que esse idiota vai ficar ao meu lado até a morte.

— É meu príncipe, você está uma bagunça, mas nenhum de nós está disposto a deixá-lo para trás. Ou saímos os três, ou morreremos os três. Simples assim! Acho bom você se esforçar um pouco mais! — Yori me fala e então me dá mais um gole de água, que é muito bem-vinda, apesar do meu estômago vazio protestar pela invasão do líquido.

— Mestre, há uma coisa que o senhor precisa saber... — Darin fala — Esse não é um lugar qualquer...

— Serve de cativeiro e local de tortura? — Ironizo ignorando a dor que perpassa meu corpo inteiro, fazendo até os meus ossos rangerem.

— Isso! E também serve para esconder os tesouros do imperador! Eu e a senhora Yori descobrimos uma caverna abarrotada de tesouros de várias gerações e não apenas isso, há milhões em taéis de ouro com o símbolo da casa real do reino inimigo, o suficiente para manter nossa nação por centenas de anos. — ele declara.

— Então, aquele velho tolo está trabalhando mesmo com o inimigo para me derrubar! No fim das contas ele vai perecer pelas próprias mãos. — pondero.

— Vamos logo, antes que os guardas percebam o rastro de morte que deixamos para trás. — Yori nos chama.

Ambos me apoiam, um de cada lado; mal consigo andar. Minhas pernas estão moles.
Não entendo porque estão lutando por mim, só irei atrasá-los. Sei que é uma missão de resgate, mas isso é suicídio.
Pois nem mesmo conseguimos chegar na boca da caverna e uma legião de soldados nos cercam.

— É o fim da linha, demônio da guerra! — o comandante da tropa fala de uma forma séria e respeitosa, diretamente para mim. Claramente, ele é um soldado honrado que só está fazendo seu trabalho

— Ao menos tentamos! — Yori me fala e me dá um beijo nos lábios — Sombra, você ainda pode usar seu poder de se ocultar e cair fora daqui! — ela continua com um sorriso meio de lado.

— Fico com meus mestres até a morte! — ele afirma com uma breve reverência.

— Seus tolos, por que não partiram quando lhes mandei?! — esbravejo me sentindo impotente por não conseguir proteger nenhum dos dois.

— E perder a diversão, alteza?! — minha princesa questiona.

— Eu não poderia amar outra que não fosse você! — coloco em palavras o que há tempos já havia descoberto.

— Agora já posso morrer em paz! — ela diz com um sorriso predador de quem vai lutar até a morte.

Sim! É essa mulher que amo desde a primeira vez que a vi! É por ela e com ela que quero morrer, quer seja hoje ou no futuro distante.



Uma Assassina Em Outro MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora