"Hoje é o dia em que eu morro", Kaolin pensou consigo mesma. Uma jovem alta, de pele pálida, com olhos e longos cabelos castanhos, se encontrava deitada no chão frio da floresta. Seu uniforme verde escuro estava imundo e repleto de rasgos. Respirando fumaça e poeira, sem conseguir se mover, olhando para o céu completamente escuro, sentia a chuva caindo em seu rosto e o gosto de sangue em sua boca.
Devagar virou a cabeça para a direita e viu seus óculos vermelho escuro quebrados embaixo de um galho. O espaço ao seu redor estava completamente destruído, algumas árvores estavam em chamas e havia sangue por toda parte. Apesar da imensa dor, Kaolin tinha um sorriso em seu rosto:
— Inacreditável. — Disse ofegante enquanto tossia sangue.
Ela ainda conseguia ouvir os sons distantes de uma batalha perdida. Deixou sua cabeça virar para a sua esquerda, viu os corpos mutilados de seus companheiros espalhados por toda parte. Lentamente fechou seus olhos, lembrando-se dos gritos que há pouco eram tão vivos, onde agora apenas o som de sua respiração permanecia.
Ao tentar se mover, sentiu algo errado com sua perna esquerda. Juntando forças, inclinou a cabeça e viu o osso exposto. Com a perna quebrada e ferimentos por todo o corpo, ela respirou fundo e começou a devanear. Já não sentia mais dor, não se sentia mais viva.
Kaolin ainda tinha muito o que fazer, sonhos a serem realizados, mas se sentia completamente sem forças. Ao mesmo tempo em que pensava sobre todas as coisas inacabadas em sua vida, lembrou-se de sua irmã mais nova, Amana. Como ela reagiria ao saber de sua morte? Pensamentos estranhos começaram a dominar sua mente.
Essa era sua primeira vez na floresta. Era sua primeira missão. Após anos de intenso treinamento, estava indignada que morreria ali, sem viver as grandes aventuras que sentia que a aguardavam. Demorou tanto para fazer parte daquilo e agora tudo estava prestes a acabar.
Começou a pensar em todos os momentos que passou com sua irmã. Vagando por suas memórias, ao encarar uma chama que queimava à distância, lembrou-se de algo que lhe contaram quando era mais nova: a história do espírito Rhombeatus, também conhecido como Víbora da Noite.
Dizem que na região de Ednargoir, houve um período de noite sem fim e a escuridão absoluta liberou algo maligno que fez com que todos os animais do local entrassem em combustão espontânea, misteriosamente restando apenas seus olhos intactos. Essa energia maléfica despertou Rhombeatus, uma gigantesca serpente que dormia nas profundezas do rio a milhares de anos. Por ter despertado na escuridão, conseguia ver bem por ela sem ser afetado como os outros seres.
Ao sair faminto e perceber que todos os animais haviam morrido, tudo que lhe sobrou para comer foram os olhos. Quanto mais olhos a Víbora da Noite comia, melhor enxergava. Com o tempo, seus olhos se transformaram em chamas, ficando cada vez mais fortes, iluminando a escuridão ao redor da criatura. Acredita-se que quando se olha nas chamas de Rhombeatus, o fogo intenso lhe queima o corpo, apenas restando seus olhos à serem ingeridos pela víbora.
Os anciãos acreditavam que o único jeito de sobreviver ao encontro desse espírito era ficar parado, sem respirar e com os olhos bem fechados, até que ele fosse embora. Os mais jovens achavam que se entregassem seus olhos de bom grado, sem resistência, sua vida seria poupada. A verdade é que não há ninguém vivo que tenha sobrevivido ao seu encontro, restando apenas histórias antigas.
Muitos teorizam que a água do rio onde Rhombeatus vive é a mais poderosa de todas. Alguns acreditam que ela é capaz de trazer os mortos de volta à vida, enquanto outros creem que podem virar espíritos ao ingeri-la. Apesar de ninguém ter certeza, a teoria mais aceita é que quando a Víbora da Noite despertou, sua energia maligna libertou outros espíritos, que se espalharam pelo mundo, dizimando os humanos ao comando da serpente.
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Os Últimos Humanos
FantasyMinha intenção é criar um livro de fantasia com elementos da cultura brasileira. O nome de vários personagens são palavras em tupi, língua falada pelas tribos de povos tupis que habitavam a maior parte do litoral do Brasil no século XVI. E os espíri...