Se Kaolin realmente não sentia dor, ninguém conseguia confirmar. Apesar da expressão de cansaço, a garota dizia estar ótima e bem disposta. Tudo aparentava estar normal durante o café da manhã, e como não queriam perder mais tempo discutindo, resolveram seguir em frente, confiando que Kaolin de fato não estava mal.
Mesmo com medo, continuar era a melhor opção. Não havia muito que a Cidadela pudesse oferecer para eles agora, além do risco de voltar e serem presos, ou mortos, pelos guardas.
Andaram a manhã toda, adentrando novamente a mata fechada. Lin pulava alegre pelas árvores, se mostrando o mais energético do grupo. Percebendo a preocupação dos colegas, Kaolin começou a se sentir incomodada. Tentando tirar o foco de seu braço ferido, resolveu conversar sobre algo que todos ali tinham interesse.
— Endi, você conhece alguma história dos espíritos? — Kaolin perguntou.
— Eu? — O garoto foi pego de surpresa.
— Sim! — Sorriu Kaolin.
— Bem, meus pais me contaram algumas. — Endi disse coçando a bochecha. — Mas não sei se lembro todos os detalhes.
— Nos conte alguma. — Amana se interessou.
— Tudo bem, mas não posso garantir que vão gostar. — Inseguro, Endi tentava relembrar o conto. — Acredito que a história do espírito Anuiob era a preferida do meu pai, pois era a que ele mais gostava de contar.
Endi olhou para o grupo ansioso. Eles caminhavam tranquilamente, porém alertas a tudo que acontecia ao redor.
— Muito tempo atrás, — O garoto prosseguiu. — uma moça ficou grávida de um espírito que vivia no rio. Alguns pensavam que o espírito havia a capturado, mas na verdade foi ela quem se entregou a ele. A moça deu à luz a crianças gêmeas, um menino e uma menina, que nasceram deformados com aparência semelhante a de uma cobra. Horrorizada pelo aspecto de seus filhos, ela os lançou no rio.
Amana olhou para Kaolin, fazendo um sinal para a irmã ficar em silêncio.
— Apesar disso, o menino cresceu bondoso, — Endi seguiu contando. — mas a menina guardava um grande rancor de sua mãe. Com um ódio que crescia cada vez mais dentro de si, a menina começou a devorar aqueles que se aproximavam do rio. Cansado dos terríveis atos de sua irmã, com tristeza o menino resolveu matá-la para pôr um fim em todo aquele sofrimento.
Tokku ia na frente, guiando o grupo, prestando atenção com medo de algum ataque surpresa.
— Após matar a menina, — Endi foi concluindo a história. — o irmão ganhou a habilidade de se transformar em humano e caminhar pela terra durante a noite, voltando a sua forma de cobra com o nascer do Sol. Em segredo, ele vagava pelas vilas, procurando por sua mãe, sem nunca a encontrar.
— Que triste... — Amana falou baixinho.
— Não conto tão bem quanto meu pai, mas creio não ter esquecido nenhum detalhe importante. — Endi tentou parecer confiante.
— Queria saber onde seu pai ouviu essa versão. — Kaolin começou.
— Como assim? — O garoto a olhou confuso.
— A Cidadela conta a história de Anuiob de um jeito diferente. — Amana explicou.
— Jura? — Se indignou Endi.
— O que nos ensinaram foi que havia uma mulher muito cruel, que matava e devorava crianças de uma vila. — Contou Kaolin. — Quando os moradores descobriram que ela era a responsável pela morte de seus filhos, a capturaram e a jogaram no rio.
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Os Últimos Humanos
FantasíaMinha intenção é criar um livro de fantasia com elementos da cultura brasileira. O nome de vários personagens são palavras em tupi, língua falada pelas tribos de povos tupis que habitavam a maior parte do litoral do Brasil no século XVI. E os espíri...