PRÓLOGO

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Eu estava de volta nessa espécie de pesadelo. Mas diferente de um pesadelo ou sonho onde você não tem controle do que age, eu tinha total de tudo em minha volta, inclusive sabia onde era.

Minha casa em Utah. Do jeitinho que era antes de ir para Hawkins.

Senti minha respiração pesada no meu quarto bagunçado e sentei em minha cama, inspirando o odor terrível de cerveja e cigarro. O lugar em que dormia não era daquele jeito, era lindo e cheiroso como minha mãe sempre deixou.

Por um momento, notei que comecei a ficar molhada. Pensei que havia me mijado nas calças, mas quando olhei pra baixo, estava encharcada de sangue, inclusive minhas mãos e pernas.

A única coisa que consegui fazer foi gritar e chorar de ódio. Foi o grito mais agonizante que dei em toda a minha vida inteira, mas ninguém parecia me escutar. Era como gritar debaixo da água.

A luz do meu abajur, única claridade do meu quarto, começou a piscar descontinuamente, e após um lampejo, queimou completamente.

Por que está chorando, Ann? Se diz tão corajosa e chora como um bebezinho!

A voz da minha consciência ecoou em minha mente. Ela costumava me acalmar mas só de escuta-la novamente me deixou em pânico. Levei minhas mãos a cabeça e me agachei em posição fetal.

— Sai daqui! Sai! Sai! - Gritei enquanto batia em minha cabeça com força, chorando em agonia. - Eu não mereço isso!

Será que não merece mesmo, Annie? Você deixou que isso acontecesse. Se deixou pela situação. Não soube dizer um simples "não". E ainda por cima, fugiu como um rato foge do gato. Sua covarde.

Isso é mentira.

— Eu não sou covarde! Um pedaço de mim foi embora depois daquilo que fez! - Gritei em defesa, ele estava me manipulando.

A voz do subconsciente riu. Uma risada forçada, maléfica.

Quem a violou, se fala com tanta certeza?

Eu não sabia quem havia feito aquilo comigo. Fui dopada e desmaiei. Se soubesse, teria feito justiça.

— Eu...eu não sei... E não quero descobrir. Seria demais pra mim dar de cara com alguém que ferrou com o meu psicológico pra sempre! Sabe o que seria melhor? Que você desse um fim em mim como deu na Chrissy! Se alimenta de mente ferrada? Ótimo, então devo ser um prato cheio!

Me levantei da cama e vociferei com todos os meus pulmões, com extrema raiva:

— VENHA ME MATAR, CRIATURA DOS INFERNOS!

Um silêncio se formou naquele quarto. Não era um silêncio comum. Era mórbido. Traidor.

Em meio a aquela escuridão, a janela se abriu de forma sobrenatural, revelando uma luz vermelha em meu quarto e o som de um relâmpago, fazendo minha espinha arrepiar e minha cabeça girar. Pela primeira vez, não tive mais coragem.

E assim, na porta do meu quarto, surgiu a figura mais horrenda em toda minha vida. Era uma criatura de pele acinzentada, escamosa, com a textura que pareciam raízes. Ela se aproximava, revelando o rosto prepotente, sem expressões humanas e os olhos sem nenhuma alma. Aqueles olhos me encararam.

O olhar mortal de Vecna.

Olá, Mary Ann.

Olhei pra todos os lados tentando buscar uma saída. Aquele lugar com a bizarra luz vermelha não era Utah. Podia ser de fato o inferno. Ao lado do meu criado mudo, tinha a faca de cozinha que eu usava pra comer frutas na cama. Quando tentei pegá-la, Vecna ergueu sua mão e uma força sobrenatural me puxou para a parede com força extrema, a ponto de me machucar as costas. Gemi em dor.

Vecna acariciou minha bochecha com aquelas mãos nojentas e úmidas, e assim, começou:

Você implora pela morte. Você é covarde. Eu poderia mata-la, mas seria muito...fácil. Sua mente é conturbada, se sente culpada do que fez, de fingir que está tudo bem iniciar uma nova vida. No entanto, essas correntes continuam pesando por mais que as ignore. Não sabe quem a violou como ser humano, melhor, quer evitar saber. Mas no fundo, quer fazer justiça com as próprias mãos, como eu. Te matando, só te aliviarei, pois sua vida, lá fora... Será pior que a morte.

— E...E se eu não descobrir? - Perguntei com o pouco de forças que eu tinha.

—  Aqueles que você ama, os inocentes, sofrerão em seu lugar.

Meu quarto se desfaz em poeira vermelha, vi um cenário azulado, como um frio invernal. Assim, apareceu Robin, Steve e Nancy tentando se desfazer com todas as forças de raízes pretas e vivas presas em seus membros. Aquela cena e os gritos agonizantes fez minha garganta fechar.

Depois, a cena do meu primo Dustin agachado no chão chorando por cima de um corpo desmaiado. Quando me aproximei, dei de cara com Eddie Munson. Seus olhos negros abertos e fixos junto a feridas abertas tinham em seu abdômen, encharcando a camiseta branca do Hellfire Clube.

Eddie estava morto. Eu fiquei em estado de choque. Lágrimas escorriam sob meus olhos, tentei abraça-los, mas como uma coisa composta por Vecna, se desfez na fumaça avermelhada.

Não. Não. Não!

Isso é culpa minha. Eu sei que é. Matei meus amigos.

" Te matando, só te aliviarei, pois sua vida, lá fora... Será pior que a morte."

Em um sobressalto, acordei do transe de Vecna. Fui surpreendida por Eddie em um estado de pânico me acudindo. Suas mãos estavam geladas e tremendo por puro medo. Medo de ser acusado de "matar" mais uma vítima. Quando Eddie percebeu que voltei, me abraçou com força.

— Mary Ann, por Deus. Puta que pariu, eu achei que você esse tal Vecna ia acabar com a tua raça e que eu ia te perder como perdi a Chrissy. Mary Ann, se você fosse morrer, eu juro, eu ia me matar. Eu juro!

— Eddie. Eddie. - Tentei o acalma-lo.

— Eu ia ser acusado de mais uma morte e só faltariam me queimar na fogueira e...

— EDDIE! Eu tô bem! Relaxa! Tô viva ainda!

Eddie me encarou com seus olhos negros e muito vivos, e como um louco, me disse:

— Eu não quero te perder. Você é minha namorada. Prometemos nos formar juntos. Se lembra quando disse que 1986 seria nosso ano?

Dou um sorriso tímido, o aliviando. Eu não podia contar nada pra ele do que vi, Eddie já estava fudido psicologicamente.

— Promessa é dívida, Eddie. 1986 é o ano das nossas vida. Se aquele filho da puta do Vecna fizer alguma coisa com nós, eu vou pegar uma faca, enfiar no coração dele e amassar com uma marreta!

Rimos juntos, e assim, ele pegou seus dedos, acariciou meu queixo e encarou meus lábios sedento, iniciando um selinho leve e demorado.

Eddie, eu queria tanto que esse fosse o seu ano.

𝟏𝟗𝟖𝟔 𝐁𝐚𝐛𝐢𝐞𝐬! - 𝐄𝐝𝐝𝐢𝐞 𝐌𝐮𝐧𝐬𝐨𝐧Onde histórias criam vida. Descubra agora