SEU VERDADEIRO PLANO

20 0 0
                                    

O reino ficou em polvorosa com o anúncio do casamento do príncipe Eric. Toda a costa transbordava de ansiedade e um pouco de confusão. Todo mundo queria saber quem era a moça – a cantora de cabelos escuros por quem o príncipe Eric tinha se apaixonado.

Todo mundo, isto é, exceto a pequena sereia. Quando ouviu a notícia de um casamento, a coitadinha pensou que ela é que se casaria com o príncipe. Mas na verdade não poderíamos culpá-la. Eles quase tinham se beijado no dia anterior, e algo nos olhos dele, quando estavam naquele barquinho juntos, lhe deu a sensação de... bem, de que ele a amava. Talvez ele finalmente se lembrasse! Talvez se lembrasse de que foi ela quem salvou a sua vida. Estava muito feliz enquanto se arrumava apressadamente para ir ao ancoradouro encontrar Eric.

A pequena sereia andava preocupada, pensando em como conseguiria fazer o príncipe beijá-la antes do anoitecer, e agora eles se beijariam no casamento! Enquanto corria para o cais para encontrar o noivo, ela viu algo totalmente inesperado que estilhaçou seu mundo e partiu seu coração.

O príncipe estava com uma bela jovem no salão principal, conversando com seu criado e grande confidente, Sir Grimsby. Até aquele momento, Grimsby duvidara que a mulher misteriosa de voz angelical, de quem Eric vinha falando, sequer existisse. Grimsby estava dando sermão a Eric sobre sua tolice em ansiar e suspirar por uma sereia fantasma quando tinha uma bela moça debaixo do próprio teto. Mas tinha de admitir que Eric estava certo quando trouxe a jovem diante dele naquela manhã de sol brilhante.

– Bem, falando a verdade, Eric, parece que eu estava enganado. Essa sua donzela misteriosa, de fato, existe. Ela é adorável. – Grimsby beijou a mão de Vanessa, acolhendo-a na família. – Parabéns, minha querida.

– Queremos nos casar o mais rápido possível – disse Eric numa voz vazia,
encantada.

– Sim, claro, Eric, mas, ah, veja você, essas coisas levam tempo.

– Esta tarde, Grimsby. O navio matrimonial zarpa ao pôr do sol.

Pôr do sol.

Pôr do sol!

As palavras dispararam terror pelo coração partido de Ariel. Ela viu a
ruína de toda a sua vida naquele momento. As palavras de Úrsula ecoaram em seus ouvidos: "Se ele beijar você antes do pôr do sol do terceiro dia, você ficará humana para sempre, mas, se não beijar, você voltará a ser sereia e... pertencerá a mim"!

Ariel ainda não tinha pensado sobre o que isso significaria.

Pertencer à Úrsula.

– Oh, muito bem, Eric, como desejar – disse Grimsby, que correu para
cuidar dos preparativos do casamento.

Ariel estava devastada.

Havia perdido seu querido amor, e ao pôr do sol iria perder sua alma para a
bruxa do mar. Acabaria como uma pequena criatura enrugada no jardim de Úrsula, e seu pai nunca saberia o que aconteceu com ela. Tinha arruinado a sua vida sem se preocupar com sua família ou com seus amigos.

O que eles iriam pensar que aconteceu com ela? Onde é que achariam que ela estava agora? Isso não estaria acontecendo se seu pai não tivesse lhe dito todas aquelas coisas horríveis, condenando-a por ter salvado Eric.

A voz de Tritão ressoou como um trovão em seus ouvidos, enquanto ela se lembrava da conversa horrível que tiveram. "É verdade que você resgatou um humano que estava se afogando? O contato entre o mundo humano e o mundo das sereias é estritamente proibido"! Ela ouviu a voz dele tão claramente como quando ele dissera aquelas coisas terríveis. Na ocasião, Ariel tentou fazê-lo entender, tentou fazê-lo enxergar a razão, mas ele não se importava. Não era importante para ele que Eric tivesse quase morrido.

"Um humano a menos com que se preocupar!"

Não significava nada para Tritão que Ariel o amasse.

Eles são todos iguais! Covardes, selvagens, caçadores e comedores de peixe, incapazes de qualquer sentimento!

Tinha apenas alimentado sua fúria, provocando um ciclone de violência que a levou a procurar a ajuda de Úrsula – ajuda para escapar de seu pai e da vida que ele queria que ela vivesse – e tudo tinha sido em vão. Ela nunca saberia o que era viver no mundo humano. Sua vida tinha acabado antes mesmo de começar.

Tinha sido tão tola. Tola por pensar que Eric havia se apaixonado por ela. Tola por ter feito um acordo com a bruxa do mar. Tola por desperdiçar sua vida pelo amor que tinha por alguém que não a amava de volta.

Estava tão certa de que Eric tinha se apaixonado por ela quando o salvou do afogamento. E ele a trouxera para casa quando a encontrou na costa do seu reino. Por que Ariel tinha entregado sua voz à bruxa do mar? Se ele pudesse ouvi-la cantar, saberia que era ela quem o havia salvado! Ela pensou que, no dia anterior, eles se beijariam no barco, com certeza. Pensou que ele estava começando a se lembrar. Pensou que ele estava se apaixonando. Se ao menos ele a tivesse beijado naquele dia.

"Se ao menos o barco não tivesse virado antes... Fazer o quê..."

Seus pensamentos espiralaram pelos últimos dias, percorrendo cada detalhe, uma e outra vez. Quando sua cabeça parou de girar, ela não sentiu nada além de arrependimento. "Eu perdi tudo... tudo!", pensou. Em três curtos dias.

Ariel viu seus sonhos escorrerem entre os dedos e se transformarem em pesadelo. Tinha ficado tão intrigada naquela noite, quando viu Eric em seu navio tocando o chimbaco. Ela nunca tinha visto um humano tão de perto antes e pensou que ele era a criatura mais bonita que já tinha visto.

Ariel imaginava como seria a vida dele, atravessando o mar, visitando o mundo, dançando sob as estrelas. Imaginava onde ele vivia, cercado por coisas bonitas, coisas humanas, como aquelas que ela colecionava na caverna.

Ele poderia ter lhe mostrado tantos outros tesouros humanos, coisas que ela nunca nem sequer tinha imaginado. Ariel fantasiava que sua vida com ele seria uma aventura de descobertas sem fim, e agora estava tudo acabado.

Tinha pensado que os deuses do mar haviam trazido aquele príncipe maravilhoso à sua vida por uma razão, fazendo o seu navio virar naquela terrível tempestade. Mergulhando-o no oceano, dando a ela os meios e as forças para salvá-lo. Fazendo-a se apaixonar por ele.

Por que os deuses fariam isso e não lhe dariam uma chance no amor?

Ela não teria assumido o risco se não tivesse pensado que eram feitos um para o outro. Se estivesse com sua voz, poderia contar tudo a Eric! Ela estava inconsolável e sozinha, com saudade dos dias em que havia chegado pela primeira vez ao reino de Eric, quando pensou que ele a amava. Ariel não podia acreditar que ele estivesse prestes a se casar com outra pessoa. Sentia- se impotente. Sentia-se desesperada. E sentia raiva. Queria gritar, mas a bruxa do mar estava com sua voz.

– Ariel! Ariel!

Era seu amigo Sabidão, a gaivota. Ele voou para o cais, tagarelando e em pânico.

– Eu estava voando... é claro que eu estava voando... – gaguejou, de maneira que mal era possível entendê-lo.

Ariel podia se comunicar com criaturas marinhas, já que ela mesma era uma, e com criaturas tais como Sabidão, mas isso não a ajudava a entender o que ele estava dizendo, gaguejando e atropelando as palavras. Ariel queria desesperadamente pedir para ele se acalmar e falar devagar, mas Sabidão continuou:

– Eu vi o espelho! A bruxa. A bruxa estava se olhando no espelho e cantando com a voz roubada! Você ouviu o que estou lhe dizendo? O príncipe vai se casar com a bruxa do mar disfarçada!

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora