UM CONJUNTO DE TUBOS ROUBADOS

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Úrsula não ignorou o quase beijo entre Ariel e Eric tão casualmente quanto as três irmãs. Se suas duas enguias não tivessem virado o barco, o príncipe teria beijado a pirralha e arruinado seus planos!

– Bom trabalho, rapazes! – ela disse para Pedro e Juca, observando a esfera mágica de adivinhação que as irmãs tinham lhe dado quando se viram pela última vez. – Essa foi por pouco. Muito pouco! – Úrsula estava furiosa com as irmãs esquisitas por terem deixado Ariel ficar tão perto do príncipe. – A pequena encrenca! Deuses, ela é melhor do que eu pensava! – Úrsula estava enfurecida. – Nesse ritmo, ele vai tê-la beijado até o pôr do sol, com certeza. – Ela nadou até a despensa, onde guardava todo tipo de ingredientes para feitiços.

O que essas irmãs andam fazendo? Não posso acreditar que permitiram que isso acontecesse!

– Bem! É hora de Úrsula cuidar disso com seus próprios tentáculos!

Estilhaçando no caldeirão uma bola de vidro que continha uma borboleta, ela disse:

– A filha de Tritão será minha! Então eu vou fazê-la sofrer e se contorcer como uma minhoca no anzol!

De uma só vez, tudo virou ouro, envolveu-a e a transformou em... algo diferente. Algo que ela odiava. Vanessa, pensou. A revoltante Vanessa, com seus grandes olhos violeta e longos cabelos negros. Sentia-se enojada naquela pele humana, forçada mais uma vez a usar a beleza de outra para se esconder, mas seria a última vez. Disso tinha certeza.

Enquanto Úrsula estava na costa da propriedade do príncipe Eric, vestindo o corpo de outra pessoa e usando a voz de outra pessoa, ela refletia.

Logo Tritão estaria morto, e ela tomaria seu lugar de direito no trono. E faria isso como bem quisesse! Que fortuito era que a filha mais nova de Tritão se apaixonasse por um humano! Que poético! Se não precisasse da alma de Ariel, ela a teria deixado se casar com o senhor Príncipe dos Sonhos! Teria partido o coração do pai vê-la se tornar a coisa que ele mais odiava. Uma humana! Era uma intervenção divina! Mas Úrsula tinha outros planos para a alma de Ariel. Ela não teria se incomodado em tomar a voz da pequena sereia se pretendesse que a garota se casasse com Eric.

Os deuses da fortuna tinham trabalhado em favor de Úrsula no dia em que as ondas fizeram o navio do príncipe Eric em pedaços, mandando-o para o fundo do oceano, no domínio de Tritão. Graças aos deuses do mar, Ariel se apaixonou por Eric naquele momento. Os servos de Úrsula lhe haviam contado quando isso aconteceu. Foi tudo perfeito demais: os deuses terem concedido à pequena sereia a força para salvar o príncipe e levá-lo em segurança para terra firme! Era como se estivessem trabalhando a favor dos objetivos de Úrsula.

E, até onde ela supunha, o príncipe havia começado a se apaixonar pela jovem ruiva e linda que o salvara e vinha ansiando por aquela menina dos sonhos desde então. Graças aos deuses a bruxa do mar tinha pensado em tomar a voz de Ariel, ou eles provavelmente teriam se casado no instante em que ela abrisse a boca estúpida. Até o momento, o pobre príncipe pensava que tinha imaginado aquela cantora durante seu delírio de afogamento, aquela menina de bela voz.

Agora Úrsula estava de posse da voz e pretendia usá-la. Tinha a intenção de arrebatar para si o príncipe da pequena sereia e fazê-lo seu. Essas reflexões foram interrompidas pelo assobio de um instrumento humano – uma flauta – voando pelo ar e mergulhando nas ondas.

Ele está aqui, pensou. Perfeito. Com a voz de Ariel, Vanessa cantou a melodia que tinha encantado o príncipe no dia em que a sereia salvou sua vida. Ela sentia-se como uma de suas ninfas: invocando a presa, enfeitiçando um humano com sua canção. Com a canção de Ariel. Atraindo-o para a costa e para sua completa destruição. Então um pensamento lhe veio à mente.

Se ela pretendia tomar o poder de Tritão e, ao mesmo tempo, governar o reino de Eric, poderia dominar a terra e o mar!

Era brilhante demais, perfeito demais e totalmente divino. Só precisava manter o príncipe Eric encantado enquanto ele servisse a seus objetivos. Então ela se livraria dele quando não fosse mais útil.

Eric perambulava pela costa, atraído pela voz de Ariel dentro de Úrsula e enfeitiçado por sua magia. Dizer que ele tinha quaisquer pensamentos ou sentimentos sobre si mesmo seria um grande exagero. Ou melhor, puramente impreciso.

Era um pouco injusto enfeitiçá-lo assim, mas Úrsula não queria deixar nada ao acaso. Ela poderia tê-lo atraído simplesmente empregando a voz de Ariel, sem bruxaria, e ele teria pensado que Vanessa é que tinha salvado sua vida; mas o tempo estava se esgotando e ela precisava ter certeza de que Eric não iria se apaixonar por Ariel. Ela precisava da alma de Ariel.

Se tivesse qualquer resto de empatia em si, teria sentido pena do pobre príncipe, com seus olhos agora zonzos e embotados. Ele parecia um sujeito decente: calmo, doce, humilde. Bastante moral... e lindo demais. Quando ele se aproximou de Úrsula na bruma, com os olhos aturdidos pela magia, ela suspirou.

Ele acha bonita esta concha humana. Não, Úrsula, o príncipe acha Vanessa bonita.

Ninguém nunca a havia amado por simplesmente ser quem era, além do humano que a adotara. Seu pai. Ele a amara, mesmo quando Úrsula tinha se transformado em algo monstruoso, feio e asqueroso, como seu irmão a tinha chamado.

O passado não importa, queridinha!, ela pensou. Nada disso vai importar. Não quando terra e mar forem meus.

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora