POBRES CORAÇÕES INFELIZES

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Bem no fundo do oceano, abaixo dos penhascos do Reino de Morningstar, ficava o covil de Úrsula. Era feito a partir dos restos do esqueleto de um monstro marinho horrível e reluzia com um putrescência estranha. A bruxa do mar estava feliz por retornar para casa com seus servos e o conforto de todas as suas coisas ao redor. Ultimamente, tinha passado muito tempo em terra firme e precisava da tranquilidade de estar no fundo do mar. As três irmãs tinham suas tarefas em terra e estavam trabalhando duro, enquanto Úrsula se preparava lá embaixo para a visita à filha mais nova de Tritão. Só precisavam de um elemento para o feitiço:

A alma de Ariel.

Os animais de estimação de Úrsula estavam nadando com ela, afinal, tinham sentido saudades desesperadas enquanto ela esteve fora com Lucinda, Ruby e Martha. Mas tiveram o cuidado de não falar nada ainda, pois sabiam que ela estava bolando uma das suas tramoias para enganar Ariel. Eles observavam sua senhora com um entusiasmo compartilhado, cada um com um olho amarelo doentio brilhando no domínio obscuro de Úrsula. Apenas a bruxa do mar sabia a verdadeira natureza daquelas bestas, mas pareciam habitar a mesma mente, o que os tornava quase simbióticos nas maldades.

As criaturas furtivas singravam as águas, e Úrsula observava através de uma bolha mística, em sua sala do trono, Ariel voltar para casa às pressas para ver Tritão. A pequena sereia estava atrasada para o evento mais importante da sua jovem vida, a apresentação aos súditos de Tritão.

– Sim, volte depressa para casa, princesa, não vamos querer perder a celebração do seu velho e querido papai, não é? Celebração de fato! Bah! Na minha época, tínhamos festas fantásticas quando eu morava no palácio. E agora, olhe para mim... banida e exilada! Enquanto ele e sua gente-peixe tola comemoram! Bem, logo, logo, vou dar a eles algo para comemorar. Pedro! Juca! Quero vocês de vigia sobre essa filhazinha dele. Ela pode ser a chave para a ruína de Tritão...

Úrsula odiava ter sido relegada àquelas relações insignificantes desde que fora banida do reino de seu irmão e enviada para a escuridão, onde punha em prática pequenas trocas por migalhas de poder. Teria levado uma eternidade para roubar alma após alma, na espera de obter poder suficiente para destruir Tritão. Se não fosse pelas irmãs esquisitas e sua querida irmã Circe, que lhe devolveram o colar de concha que Tritão tinha lhe roubado anteriormente, Úrsula não estaria em plena posse de seus poderes.

Era conveniente, no entanto, deixar seu irmão pensar que ela ainda estava impotente e sozinha na escuridão, apenas com suas magias inofensivas – não que realmente tivessem sido inofensivas um dia, é claro, apenas não eram tão grandiosas quanto poderiam ter sido.

Até agora.

Ela sorriu quando olhou para as pequenas almas murchas no jardim, as pobres criaturas infelizes que havia tomado sob sua responsabilidade. Não era culpa dela que suas vidas tivessem mudado da água para o vinho. Ninguém as tinha obrigado a colocar a alma nas mãos de Úrsula. Aquelas pessoas é que foram incapazes de cumprir os termos do acordo, não ela!

Agora que tinha seus verdadeiros poderes, a bruxa do mar não precisava se meter na vida dos súditos tolos de Tritão. Não precisava atraí-los para os reinos desprotegidos à procura de sua magia, na esperança de que ela realizasse os desejos deles em troca de suas almas. Agora tinha poder real, um poder próprio. E tinha grandes aliadas na figura das irmãs. Se fosse tirar uma alma, que fosse para seu prazer e diversão. Sim, só precisava usar o papel da negociante pela última vez. Depois disso, nem mesmo precisaria se expor como uma feirante, anunciando suas mercadorias, encantando as futuras vítimas com canções sobre seu desejo de ajudar os necessitados. Eram repulsivas, para falar a verdade, as baixezas a que ela tivera que chegar para juntar as alminhas deploráveis que tinha em seu jardim. Aqueles dias estavam, enfim, no passado. Só tinha mais uma performance. Uma última alma de que precisava para fins de troca.

A de Ariel.

Como será que era a menina? Era difícil dizer com base nos vislumbres no orbe de bolha. Sem dúvida, Ariel era obstinada como o pai. Isso poderia significar que Úrsula teria uma negociação difícil pela frente. A menina devia ser bonita também. Úrsula não poderia imaginar a possibilidade de Tritão ter uma filha que não o fosse. Era certo que ele não pôde suportar ter uma irmã que não se enquadrasse em sua imagem de beleza. Então, Úrsula pensou nela: Athena, mãe de Ariel, que já havia partido. Era muito bonita, mesmo para uma sereia. Úrsula se perguntava se Ariel tinha o mesmo coração da mãe, além da beleza. Mas não podia pensar nisso agora. Não poderia se distrair com o passado. Precisava da alma de Ariel. Havia apenas uma questão que realmente valia a pena perguntar: Será que Ariel é o tipo de garota disposta a apostar a própria alma em troca da possibilidade do amor verdadeiro?

– Bem, bem, isso é o que veremos!

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora