O SOLSTÍCIO DAS BRUXAS

30 0 0
                                    

Pflanze, na porta do castelo, esperava que suas bruxas chegassem, quando, num lampejo, viu que a casa que dividia com as irmãs esquisitas se empoleirou nos penhascos Morningstar, logo acima da turbulência dos domínios aquáticos de Úrsula, como se sempre tivesse estado ali.

Talvez, se ela não estivesse a par de como funcionava a mágica de suas bruxas, poderia ter pensado que a casa sempre estivera ali; com certeza era o que os humanos pensariam, e sempre foi o que tinham pensado, pelos muitos anos em que Pflanze viajou com suas bruxas. Por mais que tivesse passado a amar a babá e Tulipa, sentia muita falta de suas bruxas. Ela as recebeu com os grandes olhos dourados, de contorno preto e salpicados de verde. Estava sentada numa postura quase perfeita, com as patinhas brancas primorosamente colocadas na frente do corpo enquanto observava as bruxas caminharem em direção aos portões do castelo.

– Pflanze, olá! – gritou Martha. – Sentimos saudades de você! – Os terrenos do castelo estavam cobertos por uma pequena camada de neve, o que não era usual para um reino costeiro, e as irmãs sabiam que uma bruxa estava por trás daquilo, mas quem?

A neve se agarrava nos cachos das irmãs, destacando-se bastante contra seus cabelos negros como a noite. Elas quase tinham se esquecido de que era o solstício de inverno, com toda a confusão em torno de Circe e de seus assuntos com Úrsula. Por sorte, tinham pensado em se trocar, tirando os vestidos vermelhos surrados e vestindo os de seda preta, que eram bordados com muitas estrelinhas prateadas minúsculas sobre o corpete e sobre as saias volumosas, invocando um céu noturno encantado. Elas três caminhavam como se fossem uma só, como de costume, e pareciam estar absorvendo o esplendor do castelo, que era verdadeiramente magnífico e reluzente como um farol de beleza e luz. O céu, elas pensaram, estava particularmente de tirar o fôlego no crepúsculo; era sua hora mágica, quando tudo parecia perfeito e elas sentiam que tudo era possível. Fazia muitos anos desde que tinham sido convidadas a visitar a realeza, quando estiveram pela última vez com seu primo, o velho rei, pai da Branca de Neve.

A visita das irmãs esquisitas tinha se tornado algo temido na maioria dos círculos da realeza, por isso as irmãs não sabiam como se portar, já que dessa vez tinham sido convidadas e levadas a se sentir bem-vindas por aqueles que não eram como elas. Embora se perguntassem... Algo estava fora de lugar; havia alguém como elas por perto. Elas pensaram ter sentido a presença à medida que se aproximavam do terreno do castelo, mas acharam que estavam apenas captando Úrsula nas proximidades.

Mas não era Úrsula, era? Era algo diferente.

Alguém diferente.

Alguém completamente inesperado. As irmãs olharam ao redor, cheias de
ansiedade, procurando por corvos no céu, perguntando-se onde Malévola estava se escondendo. Será que tinha encantado sua companheira para enganá- las e atraí-las para algum tipo de armadilha?

Pflanze ajustou as patinhas e, se os gatos pudessem fazer coisas assim, ela teria negado com a cabeça para suas senhoras. Ela quase desejou que pudesse deixar aquela hilaridade continuar, vendo as bruxas se contorcerem e tremerem, a procurar por Malévola e seus corvos em vão, mas não tinha tempo para isso.

"Não é a Fada das Trevas, minhas bruxas. É ela, Aquela das Lendas."
Pflanze viu os olhares no rosto de suas bruxas e soube que elas entendiam. "Que bom", pensou. Agora vamos esperar que elas possam colocar as diferenças de lado por tempo suficiente para lidar com este problema.

Não tinham tempo para se debruçar sobre eventos passados. Já seria difícil o suficiente sem a babá e as irmãs esquisitas criticando umas às outras sobre alguns assuntos esquecidos num passado distante, mesmo com os Morningstar ausentes; o rei a negócios, e a rainha a caminho da casa da irmã para lhe acalmar os nervos, e com Tulipa entretendo o príncipe Popinjay na hora do chá.

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora