A VISITANTE

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O castelo Morningstar se elevava muito alto sobre as falésias rochosas, vigiando o oceano como um farol brilhante em meio à neblina. O castelo era, na verdade, construído sobre as ruínas de um farol ciclópico. Era remanescente dos dias em que os gigantes tinham governado aquelas terras após sua grande batalha contra os Senhores da Árvore.

Dentro do antiquíssimo farol havia uma lente magnífica, feita por um anão astuto chamado Fresnel. A lente se assemelhava a um cristal gigante e projetava uma luz brilhante que guiava os navios a uma distância segura dos paredões rochosos. O intuito da construção do castelo incluía não diferir do antigo farol original; tinha janelas gloriosamente recortadas, de forma que as luzes ali dentro também funcionassem como faróis.

No entanto, para ver o castelo Morningstar devidamente – para experimentar de verdade sua beleza –, era preciso vê-lo no solstício, à distância, durante a travessia pelo mar. Marinheiros e pescadores desviavam do seu caminho, às vezes por enormes distâncias, apenas para ver o castelo referido pela maioria deles como o Farol dos Deuses. O clã Morningstar era uma família muito respeitada, sempre disposta a ajudar os necessitados e, é claro, seus membros eram grandes amigos dos que navegavam pelos mares perigosos, muitas vezes fornecendo ajuda para os que eram levados às suas margens devido a naufrágios ou que tinham se perdido em meio a longas jornadas. De fato, era uma das poucas famílias reais sem inimigos e que realmente se dava bem com os outros reinos. Mas seus aliados mais próximos eram os reinos submarinos, pois o clã dependia dos deuses do mar para seu bem-estar.

Havia muito, o rei Morningstar tinha feito um acordo com a bruxa do mar que vivia naquelas águas, dizendo que não iria interferir no reino dela e que a bruxa, por sua vez, não deveria se meter no dele. Ao contrário de seu irmão, que detestava os humanos por pescarem em seus mares, Úrsula era bem mais tranquila com relação ao assunto – contanto que os pescadores dos Morningstar ficassem dentro dos limites especificados. E esses limites ficavam dentro dos domínios de Úrsula, as Águas Desprotegidas; seu irmão não tinha jurisdição lá. O acordo era para o benefício de todos e, enquanto os Morningstar cumprissem sua parte, a bruxa do mar não via nenhuma razão para não cumprir a dela. Portanto, ela não havia quebrado o acordo quando encontrou a filha do rei, a princesa Tulipa, depois de ela ter se jogado dos penhascos rochosos do reino do pai. Ela estava, afinal, no fundo do mar e nos domínios de Úrsula. A princesa, inclusive, tinha estado muito ansiosa para aceitar o acordo de Úrsula: sua beleza e voz em troca da vida.

Quando Tulipa olhava para o passado e se lembrava daquela experiência terrível, era como se tivesse acontecido em outra vida. Ela estava se lembrando disso naquele momento, enrodilhada no banco sob a janela, no ensolarado salão matinal, bebendo chá e ouvindo a voz distante de Úrsula ecoar em seus ouvidos:

– Ora, ora, minha querida. Estamos com o coração tão partido assim? A perda desse príncipe terrível vale mesmo a sua vida?

– Não! Eu cometi um erro terrível.

– Sim, você cometeu, minha querida, mas eu posso ajudá-la. Só vou precisar de duas coisas em troca: a sua beleza e a sua voz!

Tulipa se livraria da beleza alegremente. Era o exato motivo de tanto sofrimento. E, sem isso, Tulipa poderia se concentrar no que a fazia ser ela mesma. A vida significava muito mais do que ela já imaginara algum dia. E sua voz, bem, sua voz não a tinha levado a nada que não fossem problemas. Tulipa ficava feliz por se livrar dela, feliz por não precisar mais conversar sobre amenidades ou, para ser bem sincera, por não precisar falar mais nada.

Depois daquele dia à beira-mar, ela decidiu encerrar essa história de ser princesa. Chega de bailes extravagantes ou de ser levada para conhecer os homens da realeza. Certamente não haveria mais noivados com grosseirões horríveis! Seus pais imploravam que ela reconsiderasse a ideia de um bom casamento, e Tulipa quase cedeu por sentir culpa. Por mais que ela quisesse ajudar o reino de seu pai, casando-se com um príncipe rico, não poderia nem imaginar ter outro homem brutal e terrível em sua vida. Não! Ela não permitiria!

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora