BRUXAS EM IPSWICH

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   As bruxas estavam em pé sobre as falésias rochosas, olhando para a pequena cidade costeira de Ipswich lá embaixo. Mal dava para distinguir os chalezinhos desgastados pelo tempo, debaixo da espessa camada de fuligem. Era possível sentir o ódio emanando daquele lugar, a dor e o sofrimento que não só tinham sido provocados como também imbuíam a magia que causava aquele pesadelo.

   As irmãs não estavam apenas intrigadas;  estavam impressionadas.

   Como todas as bruxas naquela terra, elas sentiram o tremor de energia quando Úrsula provocou tamanha destruição, tantos anos antes. O lugar era como um monumento à morte, um lembrete para não contrariar a bruxa do mar. Para as irmãs, isso era lindo.

   Nem mesmo o irmão de Úrsula conseguiu purificar aquela terra. Por mais pura que fosse sua magia, não podia penetrar o ódio de Úrsula. Nem mesmo a raiva da velha rainha tinha causado tanta destruição. Ah, ela também já tinha arruinado as terras, mas deixou em pé uma única árvore com uma única maçã vermelha brilhante: um símbolo do minúsculo fragmento de esperança e, de fato, do amor que permanecia dentro do coração sombrio e solitário da Rainha Má.

   Tal fora o erro da velha rainha, as irmãs pensaram: o seu amor. Ela nunca realmente se entregou à tristeza e à raiva. Nunca encheu por completo seu coração de ódio.

   Ah, mas a Fera, ele estivera perto, não? Muito perto, elas pensavam. Ele possuía um ódio dentro de si que às vezes assustava até mesmo as irmãs. Se não fosse por Circe e Bela, ele teria morrido de ódio e ganância.

   Úrsula, por outro lado... era algo totalmente diferente – uma criatura notável, uma bruxa magnífica, sem nenhuma daquelas falhas humanas. Seu ódio era justo e puro, não era contaminado pela dúvida nem pelo peso na consciência. Não havia muitas bruxas como Úrsula, e as irmãs esquisitas ficavam felizes por chamá-la de amiga.

   Mas por que as havia levado àquele lugar?

Diferente das irmãs esquisitas, Úrsula não bisbilhotava os pensamentos dos outros. As irmãs, por vezes, esqueciam-se disso e depois se lembravam de que precisavam usar a voz se quisessem respostas às suas perguntas.

   – Por que esta cidade?

   – Sim, por quê? Há muitas cidades como esta.

   – Cidades repletas de pescadores assassinos.

  – Por que se vingar desta aqui?

   Úrsula deu uma risada gutural diante da simplicidade de raciocínio das bruxas. Ela não havia travado guerra contra a cidade humana porque os habitantes tinham ofendido o mar. Era muito mais pessoal.

   – Esta cidade foi o meu lar, queridas irmãs. Foi onde tudo começou, e eu quero contar a minha história. – Úrsula parou por um instante, perdida em pensamentos, e então continuou: – Estamos aqui porque quero que vocês me ajudem a matar Tritão.

   As bruxas estremeceram. A magia alimentada pelo ódio era muito poderosa, de fato. E, se Úrsula estava disposta a reunir todo o ódio delas, pois essa era a impressão das irmãs, então havia uma chance de que pudessem destruir Tritão. Mesmo assim, as irmãs precisavam de um motivo. Precisavam se envolver. Precisavam ouvir a história.

   O ódio – o ódio verdadeiro – não era apenas evocado; ele nascia. Tinha que vir de dentro para que pudesse se tornar uma entidade própria, deslizar para dentro dos corações de seus inimigos e assim sufocá-los. Se fosse uma causa digna de verdade, se o ódio delas pudesse ser aproveitado, não havia nada que as bruxas não conseguissem destruir. Então as irmãs pensaram nela.

   Na sua Circe.

   O coração dela estava cheio de ódio, provavelmente pela primeira vez. Ela nutria ódio pelas irmãs e por sua intromissão nefasta nos assuntos daquela maldita Fera! A magia de Circe poderia protegê-la das irmãs mais velhas por uma eternidade, se assim ela escolhesse. No mesmo instante, esse pensamento disparou um arrepio na espinha das irmãs esquisitas. Nunca mais ver sua irmã caçula seria o pior dos castigos, a situação mais horrível que elas poderiam imaginar. As bruxas ficariam felizes em arriscar suas vidas para destruir o deus do mar, Tritão, se isso significasse que elas poderiam ver Circe outra vez.

   Destruiriam tudo. E, por um prêmio como esse, elas sabiam que não seria muito difícil reunir seu ódio.

Úrsula - A história da bruxa da pequena sereiaOnde histórias criam vida. Descubra agora