capitulo 3

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Fiquei tão colada à parede quanto era possível. Talvez a pessoa não me visse. Não, isso era improvável, levando em conta que segundos antes eu estava esmurrando a parede e puxando as correntes da porta. Teria dado na mesma se gritasse: "Estou presa em uma biblioteca, desesperada para sair!" Qual era o plano agora? Eu podia correr para algum lugar. Podia me fechar em uma sala. Mas, até onde sabia, todas as salas estavam trancadas e eu não conseguiria entrar em nenhuma delas. Quando eu me preparava para correr para algum lugar, qualquer lugar, procurar uma arma ou um esconderijo, ele falou: — Não vou te machucar. Não sabia que tinha mais alguém aqui. — Levantou as mãos e, como se só então percebesse que segurava uma faca em uma delas, abaixou-se e guardou a arma na bota... Isso não me fez sentir muito melhor. — O que está fazendo aqui? — Só precisava de um lugar para ficar. Maravilha. Eu estava presa na biblioteca com um sem-teto? Um semteto com uma faca. Meu coração batia na garganta. Notei que ele tentava falar com um tom calmo, mas a voz soava áspera. — Vamos sentar em algum lugar e conversar. Vou buscar minha bolsa. Deixei lá em cima, na escada. Já volto. Tudo bem? — As mãos permaneciam erguidas diante dele, como se isso fosse suficiente para me deixar à vontade. — Não liga para ninguém até a gente conversar.

Ele achava que eu ia telefonar para alguém? Se eu tivesse acesso a um telefone, não estaria aqui. Se tivesse acesso a qualquer equipamento de comunicação, um megafone, uma máquina de código Morse — essas máquinas têm nome? —, eu não estaria aqui. Mas não ia revelar meu trunfo. — Tudo bem — respondi. Assim que ele me deixou sozinha, desci a escada correndo e passei pela porta de vidro. Se ele estava armado, eu também queria estar. Fui para trás de uma estante na fileira do fundo. Estava ofegante e não conseguia enxergar nada. Estendi a mão e peguei o maior livro que encontrei. Na pior das hipóteses, poderia bater na cabeça dele com o livro. — Oi? — ele chamou do outro lado da sala. — Não chega perto de mim. — Onde você está? — Não interessa. Quer conversar? Pode falar. — Se eu me fizesse de durona, talvez ele acreditasse. A voz soou mais alta, o que significava que ele devia estar andando na minha direção. — Não precisa ter medo de mim. Por que ele não ficava do outro lado da sala? A gente não precisava sentir as gotas de saliva um do outro para poder conversar. Dei um passo para trás, bati o joelho na prateleira e dois livros caíram no chão, fazendo um barulho alto. Segurei com mais força o livro em minha mão e corri para a porta. Mas ele foi mais rápido e bloqueou o caminho. Levantei o livro. — Para — falei. Ele deu mais um passo na minha direção. Joguei o livro nele. Ele se esquivou. Peguei outro livro da estante mais próxima e o arremessei. Dessa vez acertei seu ombro. Ele levantou as mãos acima da cabeça. — Sério?

— Já chamei a polícia — falei. Ele disse um palavrão. Joguei outro livro. — É melhor me deixar em paz. Eles vão chegar a qualquer momento. Agora estávamos mais próximos, e uma das luminárias que eu tinha acendido antes brilhava à direita. Foi quando o reconheci. — Dax? — perguntei, surpresa. — Eu te conheço? Eu ainda devia estar no escuro. Aliviada, abaixei o livro que estava segurando. Dax Miller não teria sido minha primeira opção de companhia para ficar trancada em uma biblioteca. Na verdade, se pudesse escolher qualquer garoto do colégio, provavelmente ele seria o último. Sua reputação não era das melhores. Havia histórias sobre ele. Muitas histórias. Mas não era um desconhecido. E eu não tinha medo dele, o que me fez relaxar imediatamente. — Você estuda no meu colégio. Eu não sabia se ele me conhecia, como a maioria dos outros alunos. Eu trabalhava no anuário e vivia tirando fotos, o que significava que eu estava em todos os lugares ao mesmo tempo. Era difícil não ser muito conhecida participando de tantos eventos. Mas eu nunca tirei uma foto dele. Ele não participava de nada. Bem, nada patrocinado pela escola, pelo menos. Dei um passinho para a frente e me coloquei no círculo de luz da luminária para ele poder me ver. Vi o reconhecimento em seu rosto quando ele me olhou desde os cabelos castanhos na altura dos ombros até as botas pretas de plataforma antes de me encarar. E não pareceu gostar do que viu. — Você chamou mesmo a polícia? — Não. — Toquei os bolsos. — Estou sem celular. Ele olhou para os meus bolsos como se não acreditasse em mim, depois assentiu e se aproximou da bolsa que havia deixado ao lado de uma cadeira.

Fui atrás dele. — E você? — Eu o quê? — Ele abriu o zíper da bolsa. — Tem celular? — Não. Olhei para a bolsa sem saber se ele dizia a verdade. — Eu precisava falar com os meus pais. Eles devem estar malucos de preocupação. Ninguém sabe onde eu estou. — Era o que eu imaginava, já que ninguém tinha voltado. — Só preciso de um celular para avisar que estou aqui. Ele tirou um saco de dormir da bolsa e o estendeu no chão. — Não tenho celular. Ele tinha levado um saco de dormir para a biblioteca? Então não estava preso. Não como eu. Será que tinha planejado passar a noite ali? — Mas você não é um sem-teto. — Eu não disse que era. — Por que está aqui? Ele entrou no saco de dormir, estendeu a mão e apagou a luz. — Por que ficou preocupado quando falei que tinha chamado a polícia? Está metido em alguma encrenca? — Dá para ficar quieta? Estou tentando dormir. Se meu corpo todo não tremesse como gelatina, eu poderia ter chutado o cara, mas só me aproximei de uma cadeira, sentei e apoiei a cabeça nos joelhos. Isso não devia ter me surpreendido. Dax era reservado no colégio, vivia sozinho. Por que me contaria sua história de vida agora? Não tinha importância. Estava tudo bem. Eu ficaria bem. Pelo menos já sabia que Dax não estava tentando me matar ou machucar. Embora Dax fosse... bem, Dax... era melhor que ficar sozinha. E tinha que ter um celular naquela bolsa grande, afinal o cara tinha levado um saco de dormir. Quando ele dormisse, eu revistaria suas coisas e encontraria o telefone. Agora que tinha um plano, eu me sentia muito melhor.

Meu peito relaxou, aliviando os pulmões, que ardiam. Essa era a coisa mais esquisita que já tinha acontecido comigo. Poderia até ser uma história engraçada mais tarde. Muito mais tarde, quando eu estivesse em casa com os meus pais e na minha cama, debaixo de um edredom bem quentinho. Estava frio aqui. Eu me espreguicei e apoiei a cabeça no braço da poltrona, fingindo que ia dormir. Não sabia se ele conseguia me ver ou mesmo se estava tentando, mas queria que pensasse que eu estava dormindo. Então, quando eu tivesse certeza de que ele tinha apagado, encontraria seu celular, ligaria para casa, e isso tudo acabaria. O relógio na parede marcava 3h20. Meus olhos ardiam de passar tanto tempo acordada. Pensei no que meus amigos estariam fazendo. No que Jeff estava fazendo. Conheço Jeff desde o primeiro ano do ensino médio, gosto dele desde o segundo ano, e agora, no meu último ano, decidi que era agora ou nunca. Nós dois iríamos para a faculdade no próximo ano, e, antes de ir embora, eu queria ver se a agitação que eu sentia sempre que ele estava por perto poderia se transformar em um bom relacionamento. Foi hoje de manhã que ele me parou no corredor da escola? Lembrei daquele momento. — Autumn! Virei com a câmera na mão e o fotografei. Ele era fácil de fotografar, com seus traços suaves, sinceros e simpáticos. O sorriso iluminava o rosto todo, fazia os olhos verdes cintilarem e tornava a pele morena radiante. Ele me alcançou. — Acho que você tem mais fotos minhas que os meus pais. Era bem provável. — A câmera te ama, não posso fazer nada. — A câmera está me convidando para sair? — Bom, ela não vai a lugar nenhum sem mim.

Ele levantou uma sobrancelha, como se quisesse que eu concluísse a sugestão. Queria convidá-lo para sair. Queria muito. Mas, se tivesse que tomar a iniciativa, não seria no meio de um monte de gente no corredor da escola. Ele continuou: — Então, eu estava pensando em reunir um grupo para ir à biblioteca hoje à noite e fazer aquele trabalho de história que o sr. Garcia pediu. Topa? Eu deveria ter dito "não", mas, quando tinha a chance de passar mais tempo com Jeff, sempre tentava aproveitar. — Sim, eu quero ir. Vou ter que falar com a Lisa. Vamos para a cabana com a Morgan e a Avi. — Vamos antes disso, e depois, quando vocês subirem para a cabana, podemos parar e fazer uma fogueira para comemorar o fim dos trabalhos. Dei risada e empurrei seu ombro de leve. — Já planejou tudo. — Já. E aí, pode falar com as meninas? — Posso. Vai dar certo. — Eu sabia. Vou falar com o Dallin e os caras. A gente se vê hoje à noite. E ele me viu, sim, antes de eu ficar trancada na biblioteca. Se Jeff tivesse trancado aqui comigo, em vez do Dax, teria sido divertido. Ele já teria pensado em um jeito de escorregar pela escada de madeira ou apostar corrida nos carrinhos de livros até o saguão. Jeff era o oposto de Dax. Jeff sorria muito e brincava sempre, e, quando ele estava por perto, todo mundo não parava de rir. Dax era sério e carrancudo, e parecia estar sempre analisando as situações. Jeff. Onde ele estava? Tinha acontecido alguma coisa ruim? Ele achava que eu tinha fugido dele e da nossa comemoração na fogueira? Por que ninguém percebeu que eu tinha sumido? Não fazia diferença. Logo eu teria

um jeito de avisar para todo mundo onde eu estava. Logo teria um telefone.

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