capítulo 6

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Ouvi muitos boatos sobre Dax nos últimos dois anos. Lisa, que se orgulhava de saber tudo sobre todo mundo, tinha me contado a maior parte deles, cochichando, apressada, sempre que o víamos pela escola. Ele chegou transferido no meio do segundo ano. Sua frequência era irregular. No começo do terceiro ano, tinha passado alguns meses no centro para jovens infratores. Quando voltou, ele exibia uma tatuagem no pulso esquerdo e estava mais quieto do que nunca. Não tinha amigos, até onde eu sabia, e nunca o vi na hora do almoço. E o via ainda menos fora do colégio. Uma vez ele estava no cinema com uma garota que eu nunca tinha visto antes. Jamais reconheceu minha existência. Não que eu me incomodasse. Ele era só mais um garoto da escola... Pelo jeito como olhava para mim agora, percebi que continuava preferindo me ignorar. Será que ele sabia o meu nome? Notei que não o havia usado nenhuma vez. Eu não sabia o que aconteceria quando finalmente fôssemos encontrados aqui, mas agora era melhor eu dizer o que ele queria ouvir. — Ninguém precisa saber. Dax voltou à leitura sem nenhuma palavra de gratidão. Ele sabia dizer "obrigado"? Eu me inclinei para a frente e desamarrei as botas. Estava com elas havia muito tempo e sentia dor no peito dos pés. Eu as tirei sem saber se a ideia era boa. Usava só um par de meias finas e curtas, e meus pés ficaram

imediatamente frios. Eu os puxei para cima da cadeira e para baixo do saco de dormir. — Tem máquinas de venda na cozinha, mas estou sem dinheiro... E você? Ele mudou de posição na cadeira, levou a mão ao bolso de trás de calça e pegou a carteira. Abriu e tirou uma nota. De onde eu estava, não dava para ver se era um dólar, vinte ou alguma coisa entre um valor e outro. — Imagino que suas coisas ficaram em um daqueles quatro carros que te deixaram aqui e não voltaram. — Eles vão voltar. Um canto de sua boca se ergueu num sorriso. Ah, que bom, eu o divertia. — Isso é tudo que eu tenho — ele disse, apontando para a mesa onde havia deixado o dinheiro. — Gastei com sabedoria. — Não estou com fome agora, vamos deixar para depois. — Ficou satisfeita com meia maçã? — Vamos ter que racionar a comida. As refeições vão ter que ser mais espaçadas, para aguentarmos até terça-feira. — Um iogurte, o bolo, o Tupperware de comida misteriosa e o que o dinheiro pudesse comprar, isso era tudo que tínhamos para três dias ou até eu encontrar o celular dele. Em algum momento, ele não tomaria conta da bolsa. — Doze horas presa em uma biblioteca, e você já é uma sobrevivente. Cruzei os braços. — Parece que você se diverte rindo da minha cara. — Eu fui sincero. Tipo, se algum dia você tiver que enfrentar uma situação de vida ou morte de verdade, já vai saber como arremessar livros e arrumar comida. Os livros que joguei na noite anterior formavam uma pilha bagunçada atrás dele. Eu precisava arrumar aquilo. — Ah, e, se você enfrentar uma situação de vida ou morte, pode ler e distribuir insultos.

— Eu estou lendo sobre como sobreviver a três dias com uma menina rica e mimada. Menina rica e mimada? Realmente ele não me conhecia. Sim, meus pais tinham dinheiro, mas eram ótimos em me fazer trabalhar por tudo. — Levando em conta que não quer que eu conte para ninguém sobre você estar aqui, está se esforçando muito para despertar a minha vontade de fazer o contrário. Ele bufou. — Pelo jeito como me olha, já sei que não vai ficar de boca fechada. Já deduziu tudo sobre mim. — Você não sabe nada a meu respeito. — Tudo que preciso saber está estampado na sua cara. — Nesse momento, a única coisa que deve estar estampada na minha cara é que eu te acho um babaca. Ele inclinou a cabeça como se dissesse: exatamente. Argh. Eu nunca conheci ninguém mais irritante. Era difícil acreditar que eu ainda teria que passar mais três dias com ele. Eu tinha que sair dali antes disso. Eu ia sair antes disso. Até lá, não precisava ficar ali sentada, ouvindo suas ofensas. Voltei à passarela de vidro. O vidro devia ter algum revestimento especial, porque não estava embaçado, nem havia neve grudada nele. Mas tinha neve em todos os outros lugares. Fiquei surpresa com a quantidade. O acúmulo alcançava as janelas mais baixas que eu conseguia enxergar do outro lado. Era muita neve. Talvez por isso ninguém estivesse me procurando. Será que todos ficaram presos na cabana? Minha bolsa estava no porta-malas do carro de Jeff. Será que ele não notou que eu não estava com o grupo quando viu a bolsa? Talvez não tivesse olhado dentro do porta-malas. Era sábado de manhã. Ele ainda devia estar na cama. Quando acordasse e olhasse dentro do porta-malas... Mas por que ele olharia o porta-malas? Isso tudo era muito complicado.

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