capítulo 28

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Eu tinha deixado Lisa na casa dela e estava indo para a minha, quando vi uma cafeteria e fiz o retorno no estacionamento. Estava morrendo de fome. A garota lá dentro varria o chão. — Já fecharam? — Não. A ideia original era pedir um sanduíche, talvez peru com avocado, mas, quando me aproximei do caixa, notei uma estufa iluminada com alguns produtos de confeitaria. Não tinha muita coisa, só o que havia sobrado no fim de um longo dia, mas ainda havia dois cronuts em uma bandeja. Tive a sensação de que meu corpo suspirou aliviado com a ideia, com a lembrança que eles provocavam. Se a lembrança de uma conversa com Dax era capaz de me fazer relaxar tanto, como funcionaria uma conversa de verdade? — Vai pedir? — a menina perguntou quando voltou para trás do balcão. — Sim, quero aqueles dois. Ela os embalou, eu paguei e voltei correndo para o carro.

O responsável pelo abrigo levantou as sobrancelhas quando abriu a porta. — Você de novo — disse.

— Sim, sou eu. Autumn, aliás. Acho que não me apresentei na última vez. — Oi, Autumn. Eu sou o sr. Peterson. Pelo jeito, vou te ver muito por aqui. — Para a tristeza do Dax, sim — confirmei, sorrindo. Ele retribuiu o sorriso e abriu a porta um pouco mais. — Entra. Aplaudi por dentro e o segui. A casa era movimentada, mas organizada. Um banco com cabides ocupava uma parede à minha direita na entrada, e casacos e chapéus ocupavam os ganchos, enquanto os sapatos ficavam embaixo do banco. Fiquei pensando em quantos menores moravam ali. E se alguma daquelas coisas era do Dax. — Vem comigo. Passamos por quatro ou cinco portas antes de chegar à última do corredor. Estava meio aberta, e deu para ver um beliche junto da parede oposta à entrada. O sr. Peterson bateu na porta. Uma voz que não era a de Dax respondeu: — Sim? O sr. Peterson empurrou a porta. — Oi, Russell — disse. — Dax, visita para você. — Quem é? — A voz dele vinha de uma parte do quarto que eu não conseguia ver. Russell olhava para mim com um meio sorriso. — Autumn — respondeu o sr. Peterson. Não sei se Dax fez uma careta ou alguma coisa do tipo, mas Russell falou: — Melhor não fazer nenhum comentário porque ela está bem ali. Dax apareceu na porta e não parecia surpreso nem feliz por me ver. Seus olhos notaram o saquinho de cronuts na minha mão, depois voltaram ao meu rosto.

— Ela pode ficar até às oito e meia — o sr. Peterson avisou antes de se afastar. — Quê? — Russell reagiu. — Por que eles não têm que seguir as regras? O sr. Peterson não respondeu e Russell levantou e foi atrás dele, protestando em voz alta. Entrei no quarto de onde Dax não tinha saído. Era pequeno, só cabia um beliche e duas escrivaninhas. — Que regras estamos desrespeitando? — perguntei. — O tempo livre acaba às oito durante a semana. — Ah. — Olhei para a tela do celular. Eram oito e dez. — Você tem vinte minutos a mais? — É, parece que você encantou o sr. Peterson. — Não foi difícil — falei com a mão protegendo a boca, como se contasse um segredo. — Posso te ensinar. Ele deu um sorriso que transformou seu rosto inteiro. Antes que Dax pudesse questionar minha presença ali, falei: — Trouxe o cronut que prometi. Não conseguimos comer quando saímos da biblioteca. — Você não prometeu nada. — Bom, falei sobre eles, era justo que comprasse para você. Determinada, andei até sua escrivaninha. Ele recuou alguns passos para não ser atropelado. Agora estávamos os dois ao lado da mesa, e pousei o saquinho sobre ela, junto do livro. — Continua lendo Hamlet — comentei. — O livro sem fim. Peguei o livro e o folheei. — Nunca li. — Naturalmente, as páginas se abriram onde estava o envelope endereçado a Susanna. Ele ainda não havia mandado a carta. Eu o encarei. Se achava que Dax tinha mudado seu jeito reservado na última semana, e agora, de repente, por opção própria, ia me contar o que significava

aquela carta, eu estava enganada. Ele acenou com a cabeça em direção ao saquinho em cima da mesa. — Vamos comer? Deixei o livro de lado, abri o saquinho e peguei um cronut. — Pronto. O paraíso. Ele se aproximou um passo e minha pele arrepiou. — Não parece algo capaz de mudar uma vida. — Não faz pouco de um cronut antes de experimentar. Ele aceitou o desafio e deu uma mordida. — Muito bom — falou com a boca cheia. — Muito bom!? Muito bom? É o melhor. — Peguei o meu e comi em quatro mordidas, depois suspirei feliz. — Nunca mais vai conseguir comer um donut. — Será que você me estragou? — Sim. Observei suas mãos enquanto ele terminava de comer. — Continua usando isso aí — falei. — O quê? — A pulseira. — Isso tinha que ter algum significado. Ele realmente precisava da minha amizade. Levantei o braço e puxei a manga da jaqueta para mostrar a minha. — Eu também. — Fiquei com preguiça de procurar a tesoura. Sei. Dax carregava uma faca na bota. Não acreditei nisso nem por um segundo. Mas sabia que ele era muito orgulhoso, reservado ou sei lá o que para admitir que precisava de um amigo. Quando ergui os olhos, ele estava me encarando. Sustentei seu olhar com determinação. Não era fácil. Os olhos dele eram castanhos e muito penetrantes, tanto que pareciam enxergar dentro de mim. Eu estava certa. Havia algo em estar perto dele, dessa pessoa que tinha me visto nas piores circunstâncias, que me fazia relaxar. Ele suspirou, frustrado.

— Vou embora daqui a seis meses. Não devia mais voltar. — Eu sei. Você não quer vínculos. — Eu teria que tentar alguma coisa diferente com ele, se quisesse essa amizade. — Eu não tenho nenhum vínculo. O que me preocupa é você. Bufei, debochada. — Eu também não tenho vínculos. Você é só uma boa distração para mim. Preciso de uma distração. — Isso poderia dar certo, se eu conseguisse controlar minha expressão. — Distração. — Eu estive no hospital. Aquele ambiente me estressa... Gente doente, a pressão de fazer o Jeff melhorar... Seria legal ter alguém de fora com quem conversar, passar um tempo. Sem expectativas. Sem pressão. Sem nenhum compromisso. — Pior que tudo isso era verdade. Talvez por isso mesmo ele parecesse acreditar em mim. Dax assentiu. Estávamos próximos. Muito próximos. Eu devia dar um passo para longe, mas, pela primeira vez naquela semana, a tensão tinha desaparecido dos meus ombros, por isso eu ia ficar onde estava. Mesmo que isso significasse que Dax ia ficar me encarando. Mesmo que tivesse que sentir seu cheiro familiar de sabão em pó e especiarias. Mesmo que significasse sentir o calor do seu corpo no meu. Agarrei as laterais de sua camisa, me surpreendendo com o gesto. Ele não se afastou, e o resto da tensão em meus ombros escoou pela coluna. Ele passou um braço em torno da minha cintura e me abraçou, apertando meu corpo contra o dele. O gesto me chocou e eu deixei escapar uma exclamação abafada, mas não recuei. Amigos se abraçam, podíamos nos abraçar. A rigidez nos ombros dele também diminuiu enquanto ficamos ali juntos. Olhei para ele. Seu rosto, a poucos centímetros do meu, parecia tão calmo quanto eu me sentia agora. Ele se movia em minha direção e cheirava a açúcar quando disparei: — Mas sem beijo. Só amigos.

— Amigos? — Não. Amizade é um vínculo, não é? Então não, somos distrações. Amigos distraídos. Ele parou e fez uma cara de quem estava se divertindo. — Tudo bem. Por que eu não conseguia parar de falar? — E amigos distraídos não se beijam. Os caras se apegam quando me beijam. Um sorriso iluminou seu rosto. — Sem beijo, então. — A voz dele era baixa e áspera, e senti vontade de jogar minha regra pela janela. A única regra que me protegeria do que eu tinha acabado de combinar. — Regra número quatro. Ele riu. — Tudo bem. — Só uma distração — repeti, erguendo os ombros e me afastando um pouco. Sorri. — Uma distração muito boa. Ele segurou meu pulso, me impedindo de recuar mais. — Só uma distração? Assenti. — Podemos criar a regra número cinco, "sem vínculos", se estiver preocupado. Dax sorriu e me puxou para perto de novo.

O sr. Peterson cumpriu sua palavra e me mandou embora às oito e meia, pigarreando alto enquanto se aproximava pelo corredor, depois batendo na porta e anunciando que o tempo livre tinha acabado. Peguei o saquinho vazio, amassei e disse: — Obrigada. A gente se vê.

Não olhei para trás. Não queria saber se Dax estava arrependido do nosso novo acordo. Não tinha importância. Ele agora precisava de uma amiga, mesmo que não quisesse admitir. E eu também, alguém que me fizesse esquecer tudo quando eu estivesse estressada. Meu verdadeiro compromisso, meu foco, tinha que ser Jeff e sua recuperação. Isso funcionaria perfeitamente.

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