capítulo 16

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Na manhã seguinte, o peso do braço de Dax sobre minha cintura me prendia no lugar. Eu não queria me mexer e acordá-lo. Estava deitada sobre o lado direito, de costas para ele. Ele estava atrás de mim, e eu sentia sua respiração morna na nuca. Tentei controlar o arrepio que eriçava os pelos dos meus braços. Era a primeira manhã em que eu acordava antes dele. Nosso último dia ali. Em cerca de vinte e quatro horas, alguém destrancaria as portas e nós estaríamos livres. Dax se mexeu e fechei os olhos para não parecer que eu estava ali acordada esse tempo todo, curtindo o braço dele em cima de mim. Primeiro o braço me enlaçou com mais força e ele respirou fundo, depois, como se percebesse o que estava fazendo, resmungou um palavrão e recuou. O ar frio tocou minha pele, um toque de despertar para vários sentidos. Eu não podia me apegar a esse garoto de jeito nenhum. Ele mesmo havia falado na noite anterior que não queria vínculos. A tatuagem em seu pulso o identificava como um solitário. O que me fez pensar que eu seria diferente de qualquer outra pessoa para ele? Não era. Estávamos só tentando fazer o melhor possível em uma situação esquisita que vivíamos juntos. Isso tudo era temporário. Quando saíssemos, tudo voltaria ao normal. Eu me espreguicei e sentei. Meu estômago roncou alto. Pus a mão em cima dele e Dax riu.

Ele sorriu, algo que fazia mais prontamente que antes, pegou uma barra de proteína na bolsa e jogou para mim. — Qual é a primeira coisa que vai comer quando a gente sair daqui amanhã? — perguntei. — Donuts. — No plural? — Cinco, pelo menos. — Sinto falta de salgado, não de doce. Talvez um hambúrguer com fritas. — Também é bom. — Tudo parece bom — falei, pegando metade da barra e devolvendo o outro pedaço para ele. — Menos isso. Ele comeu a outra metade de uma vez só. — Realmente não é donuts — falou com a boca cheia. — Ah, um hambúrguer, fritas e um milk-shake. Isso mataria todas as vontades. Ele assentiu. — Tem uma hamburgueria a dois quarteirões daqui. Podemos ir lá assim que as bibliotecárias abrirem a porta. Ele amassou a embalagem da barra de proteína e a rolou entre as mãos. — Podemos arrumar as nossas coisas, ou melhor, as suas coisas, esperar atrás daquele pilar perto da garagem e sair escondidos assim que elas entrarem — falei. Ele olhou para mim. — O que foi? — perguntei. — Você vai sair escondida quando as pessoas chegarem? — O que mais posso fazer? Ficar aqui sentada esperando que me achem? Aí vou ter que explicar tudo. Vão telefonar para os meus pais. Vou ter que esperar eles chegarem e explicar tudo de novo. Isso levaria uma eternidade. Estou morta de fome. Ele riu. Eu ainda não estava acostumada com o som.

— Comida é prioridade máxima, com certeza. — Mais que tudo — concordei. — Ah! Já comeu cronuts? — Cronuts? Não. — É uma mistura de croissant e donuts. Melhor coisa do mundo. Vou comprar um cronut para você quando a gente sair daqui. Ah, não... — Que foi? — Não temos dinheiro. Como vamos comprar alguma coisa sem dinheiro? — Pensei um pouco. — Eu tenho dinheiro em casa. São só cinco minutos daqui até lá. A gente pega carona até a minha casa, pega o dinheiro e vai comer. — Carona? — Ou usamos o telefone do posto de gasolina e pedimos para a Lisa ir buscar a gente. Isso, é isso que vamos fazer. Ou pedimos dinheiro na rua. Podemos ficar na esquina segurando um cartaz. Também é uma boa ideia. — É um plano — ele respondeu. Levantei e me espreguicei de novo. — Vamos pensar em alguma coisa. Vamos comer direito amanhã, o mais cedo possível. — E depois eu descobriria que preço teria que pagar por esse fim de semana. Torci para meus pais terem deduzido que estávamos presos na neve e que eu não tinha como entrar em contato com eles. Se haviam tido um segundo de preocupação que fosse, eu teria que dar muitas explicações e preferia me explicar de estômago cheio. Pensar nisso me desanimou. — Vou pegar alguma coisa para beber. — Esperei Dax dizer que não precisava saber de todos os meus passos, mas ele não falou nada. Talvez estivesse se acostumando com outra pessoa por perto. Bebi água, fui ao banheiro e escovei os dentes. Meu cabelo estava um horror, o rosto estava completamente sem maquiagem e tinha uma espinha nascendo no meu queixo. Mas eu não me importava com nada disso. Ficava relaxada perto de Dax. Ele se tornou um amigo. Por mais que

não quisesse amigos, agora ele tinha uma. A farsa do cara durão não funcionaria mais comigo. Voltei à sala principal e a encontrei vazia. Onde ele foi? Eu tinha o hábito de anunciar cada movimento que fazia, mas Dax obviamente ainda não. Talvez estivesse no banheiro. O livro havia sido abandonado na cadeira. Hamlet. Peguei e li algumas linhas da página em que ele havia deixado aberto. Nunca tinha lido Hamlet. Quando fui fechar o livro, vi o que ele estava usando como marcador. Um envelope endereçado e selado, pronto para ser enviado. Mas era evidente que estava pronto há um tempo, os cantos estavam amassados e havia uma linha de dobra no meio. Li para quem o envelope deveria ter sido mandado: Susanna Miller. Mãe dele? Uma tia, talvez? Quem Dax tinha receio de procurar? Fechei o livro e o devolvi à cadeira, depois fui até o balcão de recepção. Por que as bibliotecárias não tinham um estoque de comida escondido em algum lugar? Comecei a olhar as gavetas atrás do balcão e achei uma grande sacola de brinquedinhos que deviam ser para o cesto da Mamãe Ganso. Levantei a sacola fechada e tentei olhar para ela de todos os ângulos. Talvez tivesse doce lá dentro. Pus a sacola embaixo do braço e subi. Na sala de descanso, liguei a televisão e achei um filme, abri a sacola plástica e comecei a olhar o que tinha nela. Dax chegou meia hora depois e me encontrou deitada no sofá, coberta pelo saco de dormir. Ele levantou o frisbee no lançador e disparou. O brinquedo acertou um lado da minha cabeça, porque tive preguiça para levantar os braços e impedir o choque. — Ai — falei, rindo. — Desculpa, eu apontei para o ombro. — Sinal de que sua pontaria é péssima. Ele ficou parado ao lado do braço do sofá, perto dos meus pés, esperando que eu abrisse espaço.

— Estou bem — brinquei, e, quando me preparava para sentar, ele segurou meus pés e sentou embaixo deles, acomodando minhas pernas no colo. Apesar da declaração que tinha feito a mim mesma mais cedo sobre sermos amigos, fiquei surpresa com o gesto. Não pensei que ele já estivesse de acordo com meus planos para o futuro. Pelo jeito, estava. — O que é tudo isso? — perguntou, apontando para os brinquedos embrulhados e espalhados sobre a mesinha de centro. — Não é doce. Será que as bibliotecárias não sabem que crianças gostam de doce? Ele sorriu. Estendi a mão para a mesa e peguei um dos objetos. Uma pulseira preta trançada. — Estica o braço. — Quê? Estendi a mão e ele apoiou o braço nela. Amarrei a pulseira em seu pulso. — Pronto. Agora você tem uma lembrança do tempo que passamos na biblioteca. — Quer que eu use isso? — Sim. Para sempre. Ele observou as embalagens em cima da mesa até pegar uma da pilha. Uma pulseira igual à dele, só que cor-de-rosa. Dax estendeu a mão. — Rosa? De jeito nenhum. Acha uma preta para mim também. Ele não se moveu, só continuou esperando com a mão estendida. Resmunguei, mas cedi. Ele fez um nó caprichado, depois olhou para a televisão. Eu também olhei, reconheci o filme, Piratas do Caribe, e sorri. — Johnny Depp ou Orlando Bloom? — perguntei. — Johnny — ele respondeu, sem pedir explicações sobre a pergunta.

— Para mim também. — Johnny sempre faz papéis excêntricos, diferentes, personagens que me fazem sentir que, sejam quais forem as minhas dificuldades, tem lugar para todo mundo no planeta. A mão de Dax se moveu do encosto do sofá para o meu tornozelo, onde descansou. E, nesse momento, senti que esse era o meu lugar.

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