capítulo 1

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Eu estava trancada na biblioteca
tentando não entrar em pânico. Literalmente trancada. Tipo, sem saída. Todas as portas, todas as janelas, todas as entradas de ar. Bem, eu não tinha olhado as entradas de ar, mas estava pensando nisso. Não estava suficientemente desesperada, pelo menos não ainda. Meus amigos perceberiam o que tinha acontecido e viriam me soltar, dizia a mim mesma. Eu só precisava esperar. Tudo começou quando precisei ir ao banheiro. Bem, antes disso teve muito refrigerante, um Dr Pepper de dois litros que Morgan havia levado para a biblioteca. Eu tinha bebido mais que minha parte da garrafa quando Jeff se sentou ao meu lado, e, cada vez que ele se inclinava para perguntar a minha opinião, eu sentia nele o cheiro de árvores, céu e sol. Só quando escureceu lá fora e as bibliotecárias avisaram que tínhamos que ir embora, fomos para a garagem no subsolo, onde nós quinze nos dividiríamos em quatro carros, só então percebi que eu não conseguiria chegar nem na rua, muito menos fazer toda a viagem até a fogueira no cânion. — Preciso fazer xixi — anunciei depois de jogar a bolsa no porta-malas do carro de Jeff. Lisa abriu a janela. O carro dela, estacionado ao lado do de Jeff, já estava com o motor ligado. — Pensei que viesse comigo, Autumn. — Ela sorria com ar de cumplicidade. Sabia que eu queria ir com Jeff. Também sorri.

— Já volto. Não tem banheiro perto da fogueira. — Tem um monte de árvores. — Jeff deu a volta no carro e fechou o porta-malas. O barulho ecoou pela garagem quase vazia. No carro dele, vi três cabeças no banco de trás e mais uma no banco do passageiro. Não. Eles foram mais rápidos que eu. No fim, teria que ir com Lisa. Tudo bem, eu teria tempo de sobra para conversar com Jeff na fogueira. Não era da minha natureza fazer declarações ousadas de amor eterno, mas, com a tremedeira nos membros causada por quase dois litros de cafeína e o aviso de Lisa sobre a Avi poder chegar no Jeff antes de mim ecoando na minha cabeça, eu me sentia poderosa. Voltei apressada pelo longo corredor, subi a escada e continuei pela passarela de vidro de onde era possível ver um pátio. Quando cheguei ao andar principal da biblioteca, metade das luzes já estava apagada. A biblioteca era muito grande e precisava de mais banheiros, pensei quando cheguei lá. Abri a pesada porta de madeira e encontrei um reservado. A caixa que continha os protetores de papel para assento estava vazia. Pelo jeito, eu teria que me equilibrar sobre o vaso. Quando estava fechando o zíper da calça, as luzes se apagaram. Dei um gritinho, depois ri. — Que engraçado, gente. — Dallin, o melhor amigo de Jeff, devia ter encontrado a chave geral. Era bem a cara dele. Mas as luzes continuaram apagadas e ninguém riu do meu grito. Devia haver detectores de movimento. Balancei as mãos. Nada. Dei um passo à frente e tateei a porta, tentando não pensar em todos os germes grudados nela, até encontrar o trinco e abri-la. A luz da rua entrava pela janela, e eu conseguia enxergar o suficiente para lavar as mãos. O banheiro era ecológico, só oferecia secadores de ar. Enxuguei as mãos no jeans, preferindo rapidez à maneira mais ineficiente que existe para secar as mãos. Meu reflexo no espelho era só uma sombra, mas me aproximei dele para ver se a maquiagem estava borrada. Pelo que conseguia enxergar, estava tudo bem.

Fora do banheiro, no corredor, só algumas lâmpadas no teto iluminavam o caminho. O lugar estava todo fechado. Andei mais depressa. A biblioteca à noite era mais sinistra do que eu imaginava. A passarela de vidro de três metros de comprimento brilhava com a neve que havia começado a cair lá fora. Não parei, apesar da tentação. Minha esperança era de que a neve não prejudicasse nossa fogueira. Se ela ficasse acesa, seria mágica. Uma noite perfeita para confissões. Acho que Jeff não ficaria apavorado quando eu falasse, certo? Não, ele tinha me paquerado a noite toda. Até escolheu a mesma era que eu para o trabalho de história. Não devia ser só coincidência. Quanto à cabana com as meninas depois da fogueira, a neve seria perfeita. Talvez ficássemos presas lá. Já aconteceu uma vez. No começo fiquei estressada, mas acabou sendo o melhor fim de semana que já tive, com chocolate quente, brincadeiras na neve e histórias de fantasmas. Cheguei à porta que dava para a garagem e empurrei a barra de metal. Ela não se mexeu. Empurrei de novo. Nada. — Jeff! Dallin! Não tem graça! — Encostei o nariz no vidro, mas, até onde eu conseguia enxergar, dos dois lados da porta, não havia nada, nem carros nem pessoas. — Lisa? Por força do hábito, levei a mão ao bolso da calça onde deixava o celular. Vazio. Tinha guardado o telefone na bolsa preta com todas as minhas coisas — roupas, casaco, lanches, câmera, remédios —, e a bolsa estava no porta-malas do carro do Jeff. Não. Corri a biblioteca inteira procurando outra saída. Uma saída que, aparentemente, não existia. Seis portas, todas trancadas. E lá estava eu, recostada na porta que dava para a garagem, sentindo o frio penetrar minha pele, presa na grande biblioteca vazia, sentindo a cafeína e a ansiedade travando uma guerra dentro de mim. O pânico foi crescendo em meu peito e me deixou sem ar. Calma. Eles vão voltar, disse a mim mesma. Era muita gente entrando em muitos carros.

Todo mundo devia ter pensado que eu estava em outro grupo. Assim que os quatro carros chegassem ao local da fogueira, alguém perceberia que eu não estava lá e eles voltariam. Calculei o tempo que isso levaria. Trinta minutos para subir o cânion, trinta minutos para voltar. Eu ficaria aqui por uma hora. Bom, eles teriam que encontrar alguém com uma chave para abrir a porta. Mas isso não demoraria muito mais. Todos estavam com celular. Ligariam para os bombeiros, se fosse preciso. Legal, agora eu estava ficando dramática. Não seria necessário telefonar para nenhum atendimento de emergência. A argumentação lógica ajudou. Eu não precisava ficar nervosa com isso. Não queria sair de perto da porta por medo de que meus amigos não me vissem, quando voltassem. Ou de que eu não os visse ou ouvisse. Mas sem o celular ou a câmera, o tempo simplesmente não passava. Comecei a cantar desafinado, depois ri do meu esforço. Talvez contasse os buracos nos painéis do teto ou... olhei em volta e não achei mais nada. Como as pessoas se distraíam sem um celular?

— ... skies are blue. Birds fly over the rainbow. — Cantar não me renderia um contrato com nenhuma gravadora, mas nem por isso eu parava de berrar algumas canções. Fiz uma pausa e senti a garganta dolorida. Devia ter se passado uma hora, pelo menos. Meu traseiro formigava e o frio do assoalho tinha se espalhado pelo meu corpo, me fazendo tremer. Acho que desligavam o aquecimento no fim de semana. Levantei e me alonguei. Talvez tivesse um telefone fixo em algum lugar. Até agora eu não tinha pensado em procurar. Nunca tive que procurar um telefone. Sempre tinha o celular comigo. Pela sétima vez naquela noite, atravessei a passarela de vidro. Agora tudo era branco. O chão estava coberto de neve, as árvores também. Que pena que eu não tinha minha câmera comigo para registrar o contraste do

cenário, as linhas escuras do prédio e das árvores contra a brancura ofuscante da neve. Como não podia fotografar, continuei andando. Comecei a procurar na entrada, mas não achei um telefone em lugar nenhum. Talvez tivesse um aparelho no escritório fechado, mas uma mesa enorme me impedia de enxergar lá dentro. E, mesmo que conseguisse ver, era evidente que eu não tinha uma chave. Passei por uma porta de vidro para um espaço onde ficava a metade dos livros. A outra metade estava atrás de mim, na seção infantil. Lá era mais escuro, e fiquei um tempo perto da porta, olhando para a área à minha frente. Estantes grandes e sólidas ocupavam o centro, cercadas por mesas e cadeiras. Computadores. Havia computadores ao longo de uma parede lateral. Eu poderia mandar um e-mail ou uma mensagem. Mais para dentro daquele salão estava ainda mais escuro. Havia algumas luminárias de mesa espalhadas por ali, e pus a mão sob a cúpula de uma delas para ver se eram só decoração ou se realmente funcionavam. A luminária acendeu. Quando cheguei perto dos computadores, eu já tinha acendido três luminárias. Elas não ajudavam muito a dispersar a escuridão em um espaço tão grande, mas criavam um ambiente agradável. Ri de mim mesma. Ambiente para quê? Um baile? Um jantar à luz de velas para uma pessoa só? Sentei na frente de um computador e o liguei. A primeira tela era uma caixa para digitar o usuário e a senha do funcionário da biblioteca. Deixei escapar um gemido. A sorte não estava do meu lado essa noite. Ouvi um rangido sobre a cabeça e olhei para cima. Não sei o que esperava ver, mas só havia escuridão. O prédio era velho, devia ser a acomodação dos materiais. Ou a neve e o vento em uma das janelas mais altas. Outro barulho lá em cima me fez andar depressa para o corredor. Subi a escada correndo e cheguei à porta da frente. Puxei as maçanetas com toda a força. As portas continuavam fechadas. Olhei por uma estreita janela

lateral. Carros passavam na avenida principal na frente do prédio, mas a calçada estava vazia. Ninguém ouviria, se eu batesse no vidro. Eu sabia. Tinha tentado mais cedo. Estava tudo bem. Não havia mais ninguém na biblioteca, só eu. Quem mais seria idiota o bastante para ficar presa em uma biblioteca? Sozinha. Sem ter como sair. Distração. Eu precisava de uma distração. Mas não tinha nada comigo. Livros! O lugar estava cheio de livros. Podia pegar um, encontrar um canto e ler até alguém me achar. Algumas pessoas considerariam esse cenário um sonho que se realizava. Eu também. Havia poder nos pensamentos. Isso era meu sonho se tornando realidade.

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