Capítulo 3.3

7 1 0
                                    


Uma multidão já começava a se formar em frente à loja. As pessoas achavam que os bandidos já tinham fugido e invadiam a loja procurando saber mais do ocorrido. Quem sabe tirar algumas fotos pra mostrar pra família quando chegassem em casa.

Então é assim?

A única coisa que o permitia se mover era seu ódio.

Imediatamente puxou a máscara e a guardou no bolso. Ethan cambaleou e foi recuperando o fôlego. Quase na metade do caminho até a porta alguém notou o sangue que escorria pela face dele, antes dele mesmo, e tentaram fazê-lo parar para ajudá-lo, ou pelo menos tirar uma foto.

Ele escondeu parcialmente a arma em meio a touca e continuou esbarrando mesmo sem força em quem entrasse no caminho.

Ele não sabia, mas essa tinha sido provavelmente sua melhor escolha pois, quando quase saía, ouviu a mesma mulher, de novo, gritando "pega ladrão, olha o vagabundo ali!".

Tarde demais, ele já tinha entrado no fluxo.

Para o trabalhador honesto, que chega atrasado todo dia no serviço e tem que ouvir do chefe, as ruas lotadas da cidade são um pesadelo. Mas quando você precisa se esconder da polícia, não há outro lugar melhor.

Ethan corria, suava, sangrava. Correu o máximo que pode, ninguém reparava no garoto mal vestido correndo ensanguentado pelo centro da cidade. Provavelmente o classificariam como um drogado qualquer e seguiram com suas vidas. Passou por uma viatura mas ela estava vazia. Os policiais estavam no outro lado da rua, bebendo caldo de cana.

Não é como se fossem dar a mínima também.

Quando não podia mais correr, pelo cansaço e pela tontura que ia e voltava, virou uma curva fechada e entrou em uma lanchonete qualquer, onde pediu para usar o banheiro. O atendente exitou. Todos o olhavam.

—Eu to cagado?

O atendente ainda demorou alguns segundos, parecia pesar as suas opções mentalmente, não estava afim de ter que limpar qualquer que fosse a sujeira que o drogado faria. Ethan abriu a mochila e mostrou o uniforme.

—Por favor, eu tropecei num buraco.

Ethan cambaleou para os fundos da loja.

Passou por uma porta aberta que dava para a cozinha e viu um cara com avental coçando o sovaco antes de voltar a cortar um peixe.

Fazendo uma nota mental de nunca comer ali, abriu a porta de madeira com a placa de toalete e se jogou, quase literalmente. Se jogou no chão por puro prazer. Suas pernas não aguentariam nem mais um quarteirão, sua cabeça ainda doía e ele sentia que tinha trazido consigo algum pedaço do vaso preso na sua pele aberta.

O reflexo do espelho mostrou alguém que não podia ser ele. Suado, com o rosto avermelhado e as pupilas enormes, ainda que seu corpo continuasse sofrendo os efeitos da adrenalina, se sentia calmo. Para ser sincero, ele não sentia culpa, não de ter apontado uma arma para um futuro pai de família, não de ter aceitado roubar de gente que era muito provavelmente inocente.

Se sentia por ter pensado por um segundo sequer que poderia confiar em alguém. Sentia raiva, repassava milhares de vezes toda a cena em sua cabeça. Se lhe dessem outra oportunidade, ele mesmo teria quebrado aquele vaso na cabeça de Héctor.

Maldito o homem que confia no homem.

Só agora viu que ainda segurava a nota de dinheiro na mão, por puro reflexo. Riu, quase tinha matado por um pedaço de papel.

Taí uma vida que não vale a pena.

Guardou a nota no bolso e no mesmo movimento pescou a arma da cintura.

Isso não pode estar acontecendo.

Mas estava.

Deslizou pela parede até se sentar, sentia que ia desmaiar, que ia chorar, vomitar. Tudo ao mesmo tempo. Ficava torcendo para acordar a qualquer momento daquele pesadelo, ou pelo menos quem sabe pudesse trocar para um sonho onde realmente pudesse dormir com as meninas. Estaria em casa, seguro, em paz. A arma à sua frente, no entretanto, era como uma âncora impiedosa que o atracava na realidade.

"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça" Disse Hélio.

Ethan respirou fundo. Guardou a arma na mochila e abriu a torneira para se lavar.

Uma ova.

Se limpou o máximo que pode, tentando lavar do corpo o cheiro de podridão que sentia, mesmo ele não sendo físico.

Trocou para o uniforme da escola, pretendia se livrar das roupas mais tarde em algum bueiro qualquer. Se encarou no espelho, hoje realmente foi um dia cheio de ironias.

Nem uma única mancha no uniforme. Irônico.

Quando saiu, todos viraram as cabeças para encará-lo novamente, quem sabe esperando algo mais para adicionar ao show. Assim que viram o uniforme, desviaram o olhar. Agora era só mais um menino metidinho com cabelo lambido. Nada de interessante para se ver ali.

Desejou um bom dia para quem fosse que estivesse ouvindo e saiu de novo pra rua. Hora de ir pra casa, mas antes tinha uma promessa a cumprir.

Sangue de Moleque - KorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora