Capítulo 3.2

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— Eu falei pro chão porra, ou eu vou — Apontou a arma para a cabeça de uma mulher de nariz empinado – te mandar falar com Jesus!

Ela se recusava a se mexer, Hélio apareceu por trás dela e pôs a mão no pescoço da mulher, lentamente deslizando os dedos pelo colar.

— Minha senhora, não dificulte as coisas, sim? Nós só estamos fazendo nosso trabalho. E se a senhora não se deitar nos próximos – Levantou a roupa social para ver as horas no relógio – três segundos, meus amigos aqui vão fazer com que se deite.

Ele sorriu calmamente. Seu tom e postura não combinavam com o ambiente atual, mas mesmo assim ela pareceu amolecer, Ethan notou as pernas dela cedendo de tanto tremer.

— Pivete, — Ethan ainda estava na porta da loja, puxando a touca no lugar, os gritos o tinham deixado de olhos arregalados, estava preso no lugar, em choque – fique de olho nos clientes, sim?

Ele respondeu com algo que soava com um "ta".

— E não precisa ter medo de — Tiros ecoaram pela loja quase vazia. Alguém berrou quase mais alto que Paulão – bom, acho que você já entendeu.

Hélio disse isso, engatilhou o revólver e caminhou loja adentro. Ethan se forçou a se mover.

Ele e a mulher, agora sentada, mas não deitada, se encararam. Os dois pareciam ter o mesmo nível de confusão dentro de si.

O plano parecia simples. Eles entram, Paulão causa uma confusão para não dar chance de reação aos clientes e seguranças, Hélio pegaria o dinheiro e alguns itens da loja que fossem úteis. Ethan e outro controlariam os possíveis "heróis". O último garoto guardaria o carro e serviria de sentinela na calçada para o caso de algum perigo se aproximar.

Perigo quer dizer polícia. Os caras bonzinhos.

Ainda era estranho imaginar que estavam do lado contrário da equação, mas ainda assim fazendo algo bom.

Os caras que atiram em caras de touca ninja e arma na mão. Em mim.

Quando aceitou fazer parte do assalto, procurava uma maneira fácil de ganhar dinheiro, nem precisava ser muito, não via outra opção. Tinha entregue o que pareciam ser milhares de currículos, mas ninguém ligava de volta. Só quando parou de colocar o endereço no papel.

Tentou o aplicativo de entregas mas roubaram sua bicicleta. Sem comentários sobre quando tentou fazer trufas. Agora entendia o porquê de dizerem que "isso não é vida pra ninguém". Estava quase vomitando.

— Senta aí sua cadela.

Virou-se e viu o outro garoto, irmão de Hélio, chutando uma mulher que protegia a barriga, o marido dela parecia pronto para dar uma de herói. Ethan mandou que as pessoas em volta ficassem quietas e se aproximou. Daí percebeu.

Ela tá grávida.

— Ei, ei!

O garoto não deu ouvidos a ele. Ethan pensou ter ouvido ele rindo.

— Qual foi porra, não precisa disso não. Você não tá vendo que—

Olhava em volta nervoso, Hélio já estava dando várias coisas para o garoto levar ao carro. Os clientes estavam controlados, não precisavam chamar mais atenção.

Ethan pisou forte até ele, cheio de adrenalina e autoridade recém descoberta e o puxou pelo ombro.

— Chega. – Olhou feio para o moleque, quase da idade dele. Não teve efeito algum.

— Cê ta achando que é quem porra? Me larga seu—

Foi tudo muito rápido.

O marido finalmente tinha tido o suficiente e aproveitou que se ele tinha se virado pra partir pra cima dos dois. Ethan, que o viu de longe, puxou o outro de novo pela gola da camisa até tirá-lo do caminho e apontou o trinta e oito para o homem, ainda ajoelhado.

— Senta.

— Eu, eu...

Engatilhou a arma.

-Agora...por favor.

Ele manteve a linha de tiro, até que o marido se afastasse o suficiente, ainda com as mãos para cima. Com a ameaça neutralizada, virou-se para falar com Héctor, ainda tremia, mas se sentia ótimo.

— E você—

Malditos sejam os ricos e seus vasos caros.

Foi a última coisa que conseguiu pensar antes de o mundo apagar.

Em casa de pobre os vasos são feitos com cerâmica barata, quando não barro. Se você puder escolher ser atingido na cabeça com um vaso de rico ou de pobre, escolha o mais fino. Ethan não teve muita opção.

Por um segundo sua visão sumiu, um clarão branco e uma pontada no topo da cabeça foram tudo que sentiu. 

Aparentemente a mulher do nariz empinado não tinha ido com a cara dele, apesar da gentileza com que ele a tinha tratado. Quando o marido também não resolveu a situação, ela arriscou arruinar o penteado batendo com um vaso decorativo na nuca de Ethan.

Ele caiu desmontado no chão e, enquanto o mundo virava, escutou tiros e o som de muitas pessoas correndo. Virou-se de barriga pra cima, sentindo um rastro quente escorrer e molhar a touca. Hélio passou pelo seu campo de visão. Ele tinha várias notas de dinheiro na mão, parecia apressado e já não sorria mais. Atirava pra cima para controlar a situação.

Hélio voltou, o encarou do alto dos seus sapatos sociais, fez um gesto para que levantassem Ethan e foi em direção a saída da loja de novo. Paulão passou logo depois, quando os sons começaram a sincronizar com a visão. Todos fugiam correndo carregando o que podiam, notas e mais notas de dinheiro voaram para todos os lados quando ele esbarrou com um homem que tentava fugir – provavelmente pensando que era atrás dele que o homem gigante estava indo.

Ethan escutou passos na sua direção, era Héctor novamente. Ele o olhou, parecia nervoso, continuava olhando em volta como um animal preso. Ethan via suas pupilas tão pequenas como um feixe. Ele abaixou-se e, ao invés de ajudá-lo, tentou pegar a arma da mão de Ethan, que não a soltou.

Vendo que ele resistia, tentou com vários outros trancos, mas Ethan já se recuperava e começava a levantar.

— N-Não, espera.

— Que se foda então porra! – Berrava.

O bastardo acertou então um chute nas costelas do garoto caído, que se contorceu. Ethan apertou forte as mãos e quase colocou o dedo no gatilho por reflexo. Escutou Héctor correndo, se contorceu até ficar de joelhos, viu várias notas caídas no chão em volta dele. Elas pareciam muitas, sua visão estava duplicada. Quando conseguiu apoiar-se em só uma mão uma mulher gritou:

— Ele vai levantar, ele vai levantar, da nele! Dá nele!

O marido se levantou de novo, não tendo aprendido a lição.

Se o pegarem, já era.

Mama o mataria, não havia dúvidas. Então fechou o punho em torno da arma, ainda de olhos fechados, apontou a sua frente e atirou para qualquer direção.

O som saiu quase abafado nas suas orelhas, mas foi o suficiente para assustar os outros.

Quando finalmente abriu os olhos, contemplou o buraco no piso branquíssimo, tinha acertado bem no meio de uma nota.

Riu da ironia. Todos o olhavam com medo.

Ótimo.

Esperava que os tais olhos expressivos o ajudassem a passar a ideia de que atiraria de novo ao menor dos movimentos. Isso os colocaria no lugar.

Tinha de sair dali, só precisava chegar ao carro e—

E lá se ia o carro.

Recuperou a postura a tempo de ver o Corcel cantando pneu e fugindo a toda pela rua já lotada.

Hector o encarava do banco de trás, em meio às notas de dinheiro que voavam pela janela.

Sangue de Moleque - KorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora