Capítulo 4 - Héctor

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Nunca mais.

Com a cabeça pesada no travesseiro, olhando para o teto, Ethan se sentia exatamente como um alcoólatra se sente relembrando os acontecimentos do dia anterior. Mal tinha conseguido dormir durante a noite, algo sempre o acordava. Hora era Mama, que o repreendia, hora Héctor, que o jogava de um precipício. Chegou ao ponto de desistir de dormir e ficou deitado até que o sol nascesse.

Continuava torcendo para que tudo tivesse sido um sonho, mas as pontadas de dor na costela serviam como um lembrete bem claro da realidade dos fatos.

Héctor.

Não esqueceria esse nome, mas antes, precisava garantir que ainda sobreviveria até chegar à porta de casa.

Como exatamente estava ajudando o morro causando prejuízos para o dono da loja, não sabia. Mas pensar na felicidade de Lívia ajudou a levantar da cama. Deixaria todo o dilema moral pra depois.

Levantou e foi olhar o machucado no espelho do banheiro. Dessa vez tinha acordado cedo o suficiente para conseguir achá-lo vazio, mas não por muito tempo. Mal tinha levantado a camiseta para descobrir a mancha de sangue acumulada, um roxo feio, meio verde, quando uma das meninas abriu a porta.

No Ninho as portas não tinham trancas, uma regra que passou a existir no mesmo dia em que Ethan surgiu por ali. Na época Mama passou por alguns momentos desagradáveis com uma das meninas que se tornou usuária de drogas e, pouco antes de fugir do hotel para sempre, traficante operante dentro das paredes do Ninho.

Agora trancas eram proibidas, assim como as drogas e qualquer tipo de substância. E Mama seguia essa regra rigidamente, sob a ameaça de expulsão.

— Brigando de novo Ethan?

Pelo menos não era Bette. Marta entrou com uma porção de pedaços de papel alumínio no cabelo e um pote com cheiro forte na mão.

— Cai da escada. – Ethan deu espaço para ela passar, abaixando a camiseta e sentando-se no vaso. Ela colocou o pote na pequena pia e começou a limpar os restos de lápis de olho borrado.

— Do mesmo jeito que as menininhas tropeçam e caem em cima dos namorados justo quando os pais abrem a porta do quarto?

— E você está se preparando pra voltar à nave mãe? – Quando tudo falhava Ethan quase sempre recorria ao sarcasmo, que quase sempre funcionava.

— Você precisa parar com isso garoto. Mama não vai gostar de saber.

Isso é um problema.

— E você vai contar pra ela?

— E você acha mesmo que eu preciso falar alguma coisa? Ela sabe de tudo que acontece no morro mesmo.

Ethan se lembrou da arma que tinha trazido consigo do assalto, ainda na mochila. Onde a esconderia?

— E essa cara de velório? Essa é nova. Ok. – Ela se virou — Com quem foi que você mexeu dessa vez?

As pessoas tinham um jeito de insultá-lo, como se fosse natural pensar essas coisas dele.

— Você precisava ver o outro cara.

— E quem é esse cara?

— Faz diferença?

Na verdade, não. Qualquer um do morro era perigoso o suficiente, não tinha motivo pra ela se preocupar assim. A não ser que...

— O que você sabe, Marta?

Marta estava ali antes mesmo dele surgir, se alguém sabia das coisas, esse alguém era ela. Ele desconfiava que ela sabia de alguma parte, mas talvez não tudo. Precisava saber para decidir se pulava da janela agora ou esperava Mama vir pessoalmente acabar com a raça dele.

— Teve um assalto numa loja de bacana. Maior zona. Gente do Tuco. Disseram ter visto um branquelo entre eles. Dizem que deixaram ele pra trás.

— E? – Ethan sabia que não sabia mentir, os olhos o entregariam. Mas ainda podia se fazer de sonso, quem sabe.

— Quando foi a última vez que você tomou sol, garoto?

Sangue de Moleque - KorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora