Capítulo 5.3

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— Não, não, não. Tá tudo bem menino, essa daí é a minha netinha. – Disse com a voz mais amável que Ethan já vira numa senhorinha, geralmente elas lhe davam medo e gritavam muito. Ethan olhou para a menina, que não sorriu. Ela parecia cansada.

Quando terminou de ajudá-la, ela apertou forte a mão e disse:

— Que bom menino, coisa linda. Aposto que sua mãe é muito orgulhosa de você.

Aposto que ela me mataria, e jogaria o corpo no Tietê.

De certa forma o pensamento o assustou. Que ela o assustava não era novidade pra ninguém, mas nunca tinha se referido a ela como mãe, nem mesmo na falta dá uma propriamente dita. Quando voltou a si, notou que a senhorinha ainda falava.

— Eu sei que você é muito bonzinho, mas é melhor soltar minha mão, vai que meu marido te vê, hihihi, nossa seria tão dramático. Talvez ele até brigasse com você pela minha mão!

Ethan a encarou, pra ter certeza que ainda não estava viajando, a senhora estava com os olhos sonhadores, brilhantes.

— Ela tem Alzheimer. — Disse a neta se aproximando — todo dia ela vai pra cidade e compra um monte de comida. Ela acha que o marido vai voltar para jantar com ela.

— Tá tudo bem.

Mas não estava.

– Obrigado por ajudar.

Ethan nem respondeu. Apenas fitou a mulher. Ela não parecia nem notar que ele ainda estava ali.

O sol já se pusera a muito tempo, mas o céu ainda estava cinza, como se o brilho do sol ainda se apagasse lentamente, se recusando a ser esquecido. Olhou em direção ao alto do morro, via os pequenos pontos amarelos de luz espaçados irregularmente contra o céu. A maioria dos postes não funcionava, então as luzes das quitandas, farmácias e principalmente bares, eram os responsáveis pela iluminação da rua. Passou pela pastelaria do seu Joaquim, olhou a subida que teria que fazer e decidiu entrar. Precisava mesmo sentar um pouco, não tinha tido sorte de conseguir um lugar em nenhum dos ônibus.

— Mas o que passa, rapaz, que cara abatida!

— Boa noite, seu Joaquim.

— Que bicho te mordeu menino? Eu vi você ajudando a dona Nalva todo sorrisos, daí do nada essa cara feia aqui. Não, não, não, vai assustar os clientes. Cuidado com essa daí que ela ainda—

— É que eu cheguei da psicóloga agora.

— Ih rapaz. — O rosto dele se escureceu, até tirou o boné — o que houve menino?

Já não falava mais no tom de sempre, estava realmente preocupado. Seu Joaquim, como já disse antes, perdeu o filho para as drogas, lá em Portugal. Ficou inconsolável até que, quando não aguentou mais, se mudou para cá.

— Eu to bem, sério – Ethan tentava apaziguar, não queria mais alguém achando que era louco, quiçá suicida. Muito menos tocar no nome de qualquer um dos envolvidos. – É só que... – Tinha falado demais, teria que terminar a frase – como sabemos que fizemos o certo?

— Haha, meu filho. É isso então? Nem precisava de médico pois com isso eu mesmo lhe ajudo. – Jogou a toalha que estava longe de ser branca, de volta no ombro.

– Quando você dorme o sono tranquilo.

Na TV passava uma notícia sobre o novo vírus. Era tudo que tinha passado nos últimos dias. Ethan ouvia de relance, mas nunca tinha dado atenção.

— Olhe isso menino! Vão mandar a gente fechar, por causa dessa gripe louca aí. E o que é que eu vou fazer? Se eu trabalhar viro bandido, se não trabalhar morro de fome!

Sangue de Moleque - KorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora