Capítulo 5 - Mama

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Ethan correu como um condenado morro acima. Se aparecessem no Ninho, morrer era a menor das suas preocupações.

A primeira coisa que viu foram as meninas nas janelas. Elas evitaram o olhar dele conforme ele marchava porta adentro. Na falta de uma arma, tinha tirado o canivete da mochila e o colocado por dentro da calça. O metal causava arrepios constantes na pele. Ou será que ainda era a situação com o "pai" de Lívia falando alto em sua cabeça?

Entrou como um desgovernado pela recepção. Marta vinha descendo as escadas, parecia histérica.

— O que você fez Ethan?

— Cadê ela?

— Escuta aqui, o merdinha do irmão do Héctor apareceu aqui. Você tinha me dito que—

Ethan não tinha tempo pra isso.

— Tô sabendo, eles falaram com ela?

— Não sei, mas alguém desceu da caminhonete e foi pra sala dela. Eles estão lá até agora. – Ela esperou um momento, tentando por a mão no braço dele - Se você acha que vai ficar fugindo disso—.

— Não enche.

Ethan subiu os dois lances de escada até o corredor dos aposentos pulando dois ou três degraus de cada vez. Os dois guarda costas ainda não tinham começado seu turno, então teve passe livre. O corredor parecia longo, como se se estendesse na tentativa de impedi-lo.

Estava de frente com a sala dela agora. Não se lembrava da última vez que estivera lá dentro, mas ainda recordava de como era o layout. Uma mesa à direita, duas cadeiras. Fosse quem fosse estaria sentado bem na direção da porta quando ela abrisse.

Na minha casa! O desgraçado entra na minha casa pra me entregar.

Arrombou a porta, mesmo que soubesse que ela estaria aberta.

— Escuta aqui seu arrom—

Parou no lugar. Algo da cena não encaixava. Mama estava ali. Também tinha uma outra pessoa. Mas não quem ele esperava. Um senhor de cabelos ralos e branquíssimos. Ele estava rindo tomando um chá quando Ethan explodiu a porta.

Mama continuou a conversa com a maior naturalidade já vista em um ser humano depois de alguém arrombar sua porta.

— Oh, Ethan. Entre, por favor. O senhor Alceu – Ela fez um sinal com a cabeça para ele, que respondeu com um sorriso simples – estava me contando uma história adorável sobre os netinhos dele.

O senhor Alceu não tinha nada parecido com o traficante que ele esperava encontrar na sala. Teria sorte se ele conseguisse subir o morro sem ter um ataque cardíaco–

Oh. Então foi ele que subiu nas caminhonetes. Hélio é responsável pelas caminhonetes.

Ethan colocou cobriu o canivete fingindo arrumar a camiseta amassada pela correria.

— Chá?

Mama sorria para ele como uma víbora. Não, era mais feliz. Como uma puma.

Depois que o seu Alceu foi embora, Mama pediu que ele ficasse na sala. Ethan tinha o rosto cansado de tanto fingir sorrisos. Mama nem parecia se esforçar.

– Então?

É agora.

– O que?

Ela manteve o olhar.

– Como vai a escola? Não te encontrei em casa ontem antes da hora de abertura.

Foi mal, é que eu estava ocupado fugindo da polícia.

– Perdi o ônibus. Daí começou a chover e tal.

No caso meu carro de fuga me abandonou.

Por algum motivo, parte de si queria contar a verdade para ela. A outra parte, teimosa, queria resolver os problemas sozinhos.

– E a escola? – Dessa vez não precisou esconder o que pensou.

– Todos uns boyzinhos. – Ela sorriu.

– É um sacrifício. Sabe, eu estava esperando uma ligação do diretor - Ele gelou – dizendo que você tinha batido em alguém ou algo assim.

– Cara bacana ele.

– Jura? Quando fiz a entrevista com ele, ele me pareceu exatamente o tipo de pessoa que você adoraria mesmo.

Adoraria dar uma cadeirada nele.

– E o filho do Gustavo?

– O Bruno? É, ele ta...grande. Parece um maldito poste. É.

Era estranho conversar com ela. Bater papo. Mama não batia papo, era uma mulher de negócios.

—O diretor disse que seria mais interessante perguntar pra você sobre a psicóloga.

Então ele ligou. Ela sabia do Hélio. É aqui que morro.

— Ele não te disse?

Eu não quis ouvir. Prefiro ficar sabendo da sua boca.

Eu fiz merda, errei feio. Quase atirei em alguém. Vou matar aquele pastorzinho de araque. O de sempre.

— Eu...

Ela levantou da mesa, como Marcel fez, e se sentou logo de frente a ele. As coxas reluziam com a luz do sol poente.

— Existe algo que precise me preocupar?

— Não senhora.

— Senhora? Hahahaha. Quantos anos você acha que tenho, meu menino?

MEU. MENINO.

O cérebro de Ethan torrou ali mesmo. Só sobrou o corpo. Por pouco não caiu da cadeira. Ela deve ter percebido.

— Escute Ethan. Sei que não fui a pessoa mais presente na sua vida. Talvez nem mesmo a mãe que um filho precisava. Mas olhe só, olhe pra você!

Ela sorria, Ethan realmente ia cair da cadeira.

— Você ainda sim se tornou um homem. Um homem.

Ela repetiu e pegou seu rosto entre as mãos.

— Você não escolheu nascer aqui, nesse canto de terra esquecido por deus. Mas ainda sim. Um homem. Ethan, olhe para mim.

Não tinha mais pra onde olhar.

— Não importa o que te digam, não importa da onde você veio. Nem onde aqueles engomadinhos passaram as ferias ou quanto o papai deles tem na conta. Nada disso importa.

E então ela terminou de enfiar a faca.

"O que importa é o seu caráter."

— Eu sei que é um menino bom. E tudo que me deu até hoje é orgulho.

Ethan queria chorar. A mochila nunca esteve tão pesada.

— Se não conseguir falar comigo, fale com a sua psicóloga. Só não deixe que isso te afete. Tá bom?

Mal sabia ela que já tinha afetado. 

— Você vai aceitar a proposta dele?

— Trabalhar? Claro.

Qualquer coisa que não envolvesse armas de novo.

— Bom menino. Sei que não é lá muita coisa, mas é um começo. Lembre-se, não importa o trabalho, o que importa é fazê-lo com dignidade. Não me decepcione.

De novo, Mama. Decepcionar de novo. 

Sangue de Moleque - KorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora