Prólogo

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Arthur


Ainda me lembrava do dia em que fui gerado por meus pais. Não foi uma gravidez comum e dentro dos padrões habituais da natureza humana. Em vez de um pai e uma mãe, eu tinha dois pais, e o mais curioso e engraçado era que o afeto e o carinho surgiram sem que eu precisasse sair na barriga de nenhum deles. Eu fui adotado.

Meus pais costumavam me dizer que foi uma gravidez do coração. Um órgão localizado no peito e cheio de sentimento, sensibilidade, afeto e amor por mim, que não fui gerado debaixo dele, no útero, mas dentro dele, no coração. Costumavam me contar que foi o dia mais feliz e doce da vida deles, uma verdadeira festa.

Assim como a gravidez, o parto não foi normal, nem cesáreo, foi um parto do coração. Quando receberam a ligação da pessoa que estava intermediando o processo de adoção, com a informação de que havia chegado a vez deles, tiveram a certeza de que, naquele instante, o trabalho de parto havia começado a acontecer. Sentiram uma emoção incontrolável, um nervosismo à flor da pele e uma felicidade sem tamanho.

Porém, em todo trabalho de parto existem contrações, e estas surgiram em forma de preocupações, pois perceberam que eu estava sob os cuidados de outras pessoas, de um orfanato. Perguntavam-se a todo momento: será que ele está sendo bem tratado? Será que ele está com fome? Será que ele dorme quentinho debaixo de cobertas? A inquietude apareceu porque eu já era deles. E eles queriam que eu estivesse bem.

Ficaram assim até o momento do grande encontro, o nascimento. Me disseram que o coração deles pulsava forte e involuntariamente apenas por mim. A expectativa era tão grande, que tinham a impressão de que ele poderia saltar pela boca quando menos esperassem. De fato, quase saltou quando o rompimento da bolsa aconteceu: o dia em que saíram para me encontrar e me levar para casa pela primeira vez.

O líquido amniótico era o amor que não conseguiam mais conter e que transbordava do peito à medida que as expectativas aumentavam. O parto do coração, enfim, aconteceu. A dor, a angústia e o medo de não dar certo desapareceram no instante em que me viram. Fui colocado nos braços deles e, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, sussurraram em meu ouvido: "nós te esperamos tanto, meu filho, tenha a certeza de que você já é muito amado."

E, nesse momento, me senti realmente amado, como se eu sempre os conhecesse e só tivéssemos passado um tempinho distante até que nos encontrássemos novamente. Eu encontrei meus pais e eles encontram um filho. Não retiraram meu nome e continuaram me chamando por Arthur, pois acreditavam que ele já fazia parte de mim e que não poderiam tirar algo que já era meu. Enquanto isso, eu os chamava de papai Eric e papai Liam.

A criação do vínculo e a construção do relacionamento aconteceu à medida que aproveitávamos nossa convivência. E, assim, cresci em graça e sabedoria, desfrutando da companhia dos meus pais. Ganhei uma família, fiz amigos, me tornei tão feliz quanto nunca havia imaginado. Então, em determinado dia, quando eu já era grandinho, anos depois da minha chegada, meus pais me disseram que a família iria aumentar.

Eu fiquei tão alegre, porque pensei que, assim como eu, outra pessoa tinha encontrado seus pais e seria tão feliz naquela casa quanto eu era. Eu perguntava a todo instante se seria uma menina ou um menino, quantos anos ele ou ela tinha, se seria meu amigo ou minha amiga, se poderíamos contar um com o outro. E, então, em um dia quente e ensolarado das férias de julho, ele chegou. Era um menino, e, para minha surpresa, era um menino de rua. Se chamava Daniel.

Diferente de mim, que cheguei alegre e feliz, ele chegou assustado e com medo. Era mais velho que eu. Seus olhos demonstravam temor e, por mais que tivesse sido levado para uma assistência social, antes de ir para nossa casa, ele ainda apresentava resquícios da rua em seu corpo, em seu rosto e em seu jeito de ser. Era completamente mudo, não abria a boca para dizer absolutamente nada, embora tivéssemos a certeza de que ele sabia falar.

Por conta disso, passamos um tempo sem saber como ele realmente se sentia ou o que estava pensando. Não queríamos forçá-lo a nada, então esperamos com expectativa pelo momento em que ele finalmente se sentisse seguro a falar. Mas, como truques de mágica, em uma tarde silenciosa de domingo, meus dedos soltando notas no piano que meus pais haviam me dado de presente de aniversário, o fizeram pronunciar as primeiras palavras de um garoto já pré-adolescente.

Essa foi a nossa primeira aproximação e, daí em diante, tudo para ele melhorou. Se tornou um garoto mais extrovertido, fez amigos e passou a ver meus pais como seus. Mas, algo somente entre nós dois aconteceu, e eu nunca saberia explicar como, apenas sabia que estava acontecendo. Talvez pelo fato de que tínhamos crescido juntos mais com a ideia de amizade do que de irmandade. Ou talvez porque simplesmente tinha que ser assim.

Nossa amizade sempre falou mais alto do que qualquer irmandade, como se diz, existem amigos mais chegados que irmãos. E, por mais que pelas nomenclaturas da sociedade fôssemos irmãos adotivos, por convivência, sempre nos vimos como amigos mais do que qualquer outra coisa. Na verdade, não mais do que qualquer coisa. Apenas algo suplantava a noção de amizade: o amor.

A questão era que, com o passar do tempo, começamos a perceber que sentíamos mais que um amor fraternal. Era um amor... Diferente.


Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora