Ciúme de irmão

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Arthur


Um último olhar no espelho, uma ajeitadinha nos meus cabelos pretos, e pronto. Eu estava minimamente aceitável para ir ao colégio. Tudo bem que as olheiras roxas, debaixo do olhar azul, por ter ido dormir às duas horas da manhã, graças ao trabalho de matemática, ainda estavam ali. Mas, eu não tinha o que fazer para que elas sumissem, e, se eu demorasse mais um pouco para descer, Daniel, com aquele jeito todo estabanado, gritaria por mim dentro de cinco minutos.

Peguei, então, minha mochila e desci as escadas. Nossa casa era enorme e, mesmo que eu já estivesse mais do que acostumado com tudo, eu ainda a considerava incrivelmente luxuosa. Tinha corredores e salas por todos os lados, além de um jardim imenso, com quadra, piscina, salão de jogos e tudo mais. Não que eu ainda aproveitasse muito todo aquele espaço de fora, mas, poderia dizer tivemos uma infância muito feliz e aventureira em cada centímetro daquele pátio.

Quando cheguei na sala, onde tinha a mesa posta com o café da manhã, meus pais já estavam lá e Daniel também, com a boca abarrotada de comida, diga-se de passagem. Eu nunca soube de onde saía tanto apetite daquele garoto e sabia menos ainda onde ele colocava aquela comida toda, porque, sinceramente, era demais. E ele nem era acima do peso. Muito pelo contrário. Tinha tudo distribuído muito bem, inclusive era mais encorpado que eu, mas não de gordura, e sim de músculos ligeiramente proeminentes. Eu era mais magrinho, pouquinho. Daniel não. Talvez isso se devesse à natação e à academia que ele fazia.

— Olha só quem apareceu... — Eric foi o primeiro a dar sinal, quando eu surgi na mesa do café. — Bom dia, filhote! Cadê meu beijo? — Isso era sagrado. Todos os dias, desde a primeira vez que pisei naquela casa, a primeira coisa que ele dizia/pedia, em cada manhã, era "cadê meu beijo?". Uma tradição, costume da família já.

— Bom dia, papai — o abracei e o beijei afetuosamente na bochecha.

— E o meu, moleque? — Logo após tomar um gole da sua xícara de café, Liam perguntou, mesmo sabendo que eu obviamente iria até ele também. Sorriu. Era sempre assim. Se eu beijasse papai Eric primeiro, ele já pedia seu beijo logo depois. Eu amava isso. Eu os amava.

— Bom dia, paizinho — sorri, e também o abracei e o beijei. Agora estavam os dois quites.

Porém, antes que eu pudesse me sentar para começar a comer, um serzinho inquieto apareceu na sala, todo animado e balançando o rabinho para aquele movimento do café da manhã. Era Rufus, nosso cachorrinho de estimação. Cachorrão, na verdade, porque era enorme. Um Golden Retriever do pelo bem douradinho. Uma graça! Vivia latindo pela casa, para chamar nossa atenção. E, naquela manhã, durante o café, não seria diferente. Louco por um pedaço de queijo.

— Eita, lá vem o espião de comida! — Daniel foi o primeiro a dar sinal.

— Que foi, Dan? — perguntei ao me sentar ao seu lado, para começar a me servir. — Tá querendo disputar a comida com o Rufus, agora? — tirei sarro. — Ah, já sei, tá com medo que ele leve toda a comida da mesa e não deixe você fazer o mesmo trabalho, só que colocando tudo dentro das suas bochechas, né?

Daniel soltou uma risadinha pelo nariz, balançando a cabeça.

— Agora lá vem o bebezão querendo falar... Volta pra creche... — com aquele ar de piadista, falou, fazendo-me revirar os olhos logo em seguida. Daniel e sua mania de me chamar de bebê. Se eu não soubesse que tudo sempre passava de pura brincadeira, eu ficaria com raiva sim. Mas, em se tratando do Daniel, tudo era brincadeira. O garoto não conseguia levar nada a sério, e ainda era eu a criança da casa. Eu! Imagina só!

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora