Por mim?

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Daniel


Quando chegamos em casa, a mesa de jantar já estava posta. E, cara, tinha muita comida! Meus olhinhos até brilharam, como se eu estivesse vendo um verdadeiro oásis. E era. Mesmo depois de oito longos anos vivendo bem, a minha mania de sentir muita fome não me deixava. Na verdade, eu apreciava comidas. Talvez fosse pelo tempo que passei comendo somente uma refeição de pão e água por dia.

Nossos pais já estavam lá sentados, apenas nos esperando. E não demoramos a nos juntar a eles. Num instante Arthur e eu já estávamos devidamente sentados, comendo aquele jantar dos deuses! O Rufinhos também marcava sua presença, balançando seu rabinho de um lado para o outro, na expectativa que a gente jogasse algum pedaço de carne para ele. Naquela casa, Rufus e eu disputávamos o pódio de mais comilão.

— E, então, filhotes como foi o dia de você hoje? — Eric perguntou.

Isso já era sagrado, tipo tradição de família, se liga? Tínhamos o hábito de jantar juntos todos dias, ou quase todos dias, e nossos pais sempre perguntavam como tinha sido nosso dia. Se preocupavam com a gente, queriam estar por dentro da nossa vida. E não era com aquele interesse bisbilhoteiro. Não mesmo. Eles conversavam naturalmente, como se fossem nossos amigos. E eles eram.

— Foi legal, pai — respondi, enquanto mastigava um pedaço de carne. — A gente estudou, teve a aula e tal. Depois, eu encontrei o Arthur na sala de música e viemos pra casa. Inclusive, jajá vou sair. Tem uma festa maneira na casa de uma menina — sorri malandro, mesmo com a boca cheia de comida. — Sabe como é, né? Sexta e tal. Vocês já tiveram a minha idade... — dei uma risadinha marota.

— Ah sim, já tivemos, com certeza. E como! — papai Eric soltou uma risadinha também, enquanto bebia um gole do seu suco. — Mas, então, vai ser na casa de uma menina? Ela que te convidou?

— Oh não! — papai Liam colocou a mão na testa, com uma expressão ironicamente decepcionada, antes que eu pudesse falar qualquer coisa. — O desgosto de ter um filho cis, hetero e cristão! — exclamou, como se estivesse sofrendo. — Por que, meu Zeus?! Por que fez isso comigo?!

Inevitavelmente, papai Eric e eu caímos no riso. Se eu fosse seu filho de sangue, talvez eu não tivesse saído tão parecido com ele, porque papai Liam era tão palhaço quanto eu. Essas piadinhas eram típicas dele, e eu, claro, não ia perder a oportunidade de brincar também.

— Pois é... — tentei me recompor das risadas, para entrar no meu papel. — Pai e pai... — encarei-os com o máximo de seriedade que eu conseguia, mesmo que estivesse quase explodindo de vontade de gargalhar. — Também tenho outro comunicado a fazer — suspirei, empinando o nariz. — Eu vou me batizar!

— Ah, não! Ah, não! Pera aí! — papai Liam exclamou de novo. Com ar de seriedade, mesmo que nós soubéssemos que ele estava brincando descaradamente. — Onde foi que eu errei na criação desse menino?!

A gargalhada que todos deram pra isso foi inevitável. Esse cara era demais. Quando eu fosse pai, iria ser do mesmo jeito! Todos sabiam que de hetero eu não tinha nada, mas era muito engraçado o jeito como ele brincava com tudo. Todos riam, até o Rufus se contagiou com o clima do jantar, e saiu latindo e pulando com aquela bagunça na sala de jantar.

Na verdade, quase todos riam. Olhei de relance para o meu lado e vi Arthur. Estava tão quietinho, um pouco sério. Sorria e tal com aquelas brincadeiras, mas eu sabia que ele não estava cem por cento. Eu só não conseguia entender o motivo. Saímos bem do colégio para casa, mas, depois que começamos a conversar na mesa de jantar, ele ficou assim.

— Ei, Art... — virei para ele. — Quer ir comigo pra festa? — sugeri, na tentativa de que isso fosse animá-lo um pouquinho. Eu o conhecia e sabia quando estava pra baixo. — Vamos! Vai ser irado!

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora