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Oito anos depois da chegada de Daniel

Arthur


— Hora de acordar, pirralho! — Sem um pingo de noção, falou em alto e bom som. Em menos de um segundo, pulou sobre minha cama. Na verdade, sobre mim, porque fazia questão de não saber a diferença entre o colchão e eu.

Daniel.

Embevecido de sono, bocejei e, com dificuldade, tentei abrir os olhos ainda pesados. Na velocidade de uma tartaruga, levei uma das mãos à minha boca e limpei a baba que ali escorria, até que ele começou a me chacoalhar, bagunçando meu cabelo em um cumprimento que já era acostumado a me dar, fazendo-me acordar por completo.

Todo dia era a mesma coisa. Todo dia, antes de irmos para o colégio, ele me acordava assim. E eu não reclamava, confesso. Para falar a verdade, se ele deixasse um só dia de me acordar assim, eu já sentia falta. E, claro, me perguntaria se Daniel estaria doente ou algo do tipo, porque o meu quarto era o primeiro local onde ele ia após abrir os olhos de manhã.

Nossa casa era enorme, então nós dois dormíamos em quartos separados. Porém, eles ficavam no mesmo corredor, assim como todos os outros quartos, no andar de cima. Para ser mais preciso, eram parede com parede. Ou seja, em menos de um minuto poderíamos entrar e sair do quarto um do outro.

— Para com isso, Dan...! — tentei me impor e empurrá-lo, mas minha voz embargada e a falta de força para sentar na cama denunciavam o quanto o sono ainda me dominava. — E eu não sou nenhum pirralho, para a sua informação — completei, resmungando. — Tem que parar de me chamar assim.

Se Daniel não me chamasse de pirralho, não era o Daniel que eu conhecia. Desde que ganhou intimidade comigo, depois que chegou na nossa casa, e foi, digamos, "se soltando", era pirralho pra cima e pra baixo: "bom dia, pirralhinho", "boa noite, pirralhinho", "oh, pirralho, tô precisando usar o banheiro, sai logo", "ei, pirralho, nossos pais já chegaram?", "pirralhinho, o papai disse pra se arrumar porque vamos sair".

— É sim, é o meu pirralhinho de quinze aninhos — deu ênfase na palavra "meu", parando de me chacoalhar e bagunçar meu cabelo, me abraçou e, todo estabanado como sempre fora, já que era maior e mais forte que eu, me empurrou contra a cama. — Não adianta fazer esse bico, porque você nunca vai deixar de ser a coisa mais fofinha do mundo e o bebezinho da casa.

Sinceramente, eu não sabia de onde Daniel tirava essa história de eu ser "fofinho". Na concepção dele, eu sempre fui meigo e doce. Enquanto isso, eu sempre o achei bobão e avoado. Ok, nem sempre. Quando ele chegou na nossa casa, não era extrovertido desse jeito. Na verdade, ele mal abria a boca para falar.


...


Meus pais, que moravam em Londres, tinham se mudado há alguns anos para Lisboa, depois que meu pai Liam recebeu uma proposta para jogar em um famoso clube de Portugal. Já casados, não demoraram muito tempo a me adotar. Quando os ganhei como pais, eu tinha quatro anos, e, dali em diante, mais quatro anos de muita alegria e amor entre nós se passaram. Eles eram perfeitos, e, quando eu menos esperei, já estava com oito anos de idade.

Aquele era mais um dia quente e ensolarado das férias de julho. Porém, não era comum como todos os outros. Eu estava ansioso, muito ansioso, inquieto e entusiasmado. Era o dia que meus pais me disseram que meu irmãozinho chegaria. Meu irmãozinho! Depois de quatro anos sendo filho único, eu ganharia uma companhia. E eu não parava de pensar nisso!

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora