O que eu estava me tornando?

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Arthur


Meu coração saltou mais uma vez, quando ouvi sua voz. Daniel já estava muito bem acordado, afinal ele nunca demorava muito tempo a ficar esperto pela manhã. Isso me assustava muito. Pelo menos, eu tinha trancado a porta e ali ele não poderia entrar.

Ok, era isso: ali ele não tinha como entrar.

Daniel não tinha a capacidade de atravessar a porta. Isso era bom. Muito bom.

Respirei fundo com essa certeza, tentando me acalmar finalmente. Ele não podia fazer nada e dentro do banheiro eu estava seguro. Daniel não poderia me ver, não poderia ver aquela... Coisa. Passei as mãos nos cabelos, procurando organizar os pensamentos, até que, enfim, consegui responder.

— Oi! — foi tudo o que disse.

— O que aconteceu? — logo perguntou, em menos de meio segundo, preocupado. — Você acordou agitado e correu para o banheiro. Você está passando mal?

Eu tô quase morrendo!

Pensei, mas não disse. Claro.

— Tá tudo bem — respondi, tentando disfarçar ao máximo. Porém, meu tom de voz trêmulo entregava que as coisas não estavam tão bem assim. — É que... — tentei buscar alguma justificativa plausível. — É-É... Que... — Pensa, pensa, pensa! Pensa, Arthur! — Tá tarde! — falei, finalmente. — A aula começa daqui a pouco e já estamos atrasados! Por isso acordei com pressa.

Droga, eu nem sabia as horas

Que o destino me ajudasse! Era tudo o que eu pedia.

— Ué... — com estranhamento no tom de voz, Daniel falou. — Mas são só seis e quinze. Estamos atrasados não.

Merda!

Revirei os olhos e passei as mãos no rosto em pura exasperação comigo mesmo.

Péssima desculpa, Arthur!

— Sério?! — me fiz de totalmente desentendido. Ou melhor, me fiz de doido. — Pois eu jurava que já era tipo... Sete e quinze da manhã! — tentei ser o máximo convincente possível. — Acho que acordei com os olhos trocados — dei uma risadinha, tentando disfarçar, mas eu estava rindo de nervoso mesmo. — Só que já vou aproveitar pra tomar banho, tá bom? Daqui a pouco eu desço para o café!

— Tranquilo... — disse, apesar de seu tom ainda apresentar certa desconfiança. — Então, eu vou me aprontar também — finalizou e percebi, mesmo estando dentro do banheiro, que ele tinha se afastado da porta. Pude respirar mais aliviado. Porém, do nada, ouvi sua voz novamente. — Ei!

Meu corpo inteiro entrou em alerta mais uma vez.

O que ele queria agora?!

— Oi! — disse.

— Você sabe que é o amor da minha vida todinha né? — perguntou e, mesmo sem poder vê-lo, eu jurava que estava sorrindo, como sempre.

Dei um sorrisinho meio amarelo para a parede. Todos os dias de manhã era a mesma frase "você sabe que é o amor da minha vida todinha né?". Sempre. Esse era o seu bom dia pra mim de todos os dias. Um costume dele. Um costume nosso.

O problema era que as coisas estavam estranhas...

— Sei — falei tão somente. — Você também é o meu.

"Você também é o meu."

Era uma frase que eu já estava tão acostumado a dizer, mas acabou saindo de um jeito tão diferente. Meu subconsciente me transmitiu sensações que eu nunca senti, e jamais queria ter sentido. Mesmo sem saber o que, de fato, estava acontecendo dentro de mim, doeu.

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora