Ilógico e incoerente

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Daniel


Depois daquela noite, inevitável e inconscientemente, comecei a olhar Arthur com outros olhos. Lógico que eu ainda o via como meu irmão mais novo. Porém, ele estava crescendo e, mesmo que não agisse de propósito, seus jeitos e trejeitos estavam mudando. Seu rosto estava mudando. Seu corpo estava mudando.

Era involuntário.

A única coisa que eu tinha certeza não ser involuntária era a certa distância que ele estava mantendo de mim. Naquele dia, tínhamos conversado um pouco, especialmente no caminho de ida e volta ao colégio, mas eu sentia que não era a mesma coisa de antes. Seu sorriso não era o mesmo, e isso não era por causa do seu crescimento.

Não.

Era por alguma outra coisa.

Talvez a viagem...

Ainda esperava que ele mesmo tomasse a iniciativa de se abrir para mim, porque eu sabia que, mesmo que eu tocasse no assunto, ele continuaria fingindo estar tudo bem. Nunca iria confessar que a viagem estava o afetando. Talvez por medo de me incomodar. Talvez por achar que estragaria o meu momento de felicidade. Eu não sabia.

Passei as mãos no rosto, escorregando-as pelos cabelos, com esses pensamentos. Era de tarde e nós já tínhamos voltado do colégio. Arthur devia estar estudando em seu quarto, ou lá embaixo com nossos pais, enquanto eu estava deitado na cama, descansando um pouco, depois do almoço, e assistindo um filme qualquer na televisão.

Quando pensei, porém, em descer, e ver se encontrava meus pais e meu irmão, ouvi meu celular tocar no criado-mudo ao lado da cama. Quem poderia ser? Quando o peguei, vi que a chamada não era desconhecida, mas eu também não tinha aquele número salvo.

— Alô? — atendi.

— Oi, Dan... — Uma voz feminina e faceira ecoou pelo celular. — Sabe quem é?

Sim, eu sabia.

— É a Gabriela? — dei uma risadinha.

— Olha só... — com uma simpatia ligeiramente sedutora, respondeu. Se algumas garotas lutavam para ser charmosas, Gabriela tinha isso com muita naturalidade, até mesmo no jeito de falar. — Que bom que reconhece minha voz. Pensei em te ligar porque não nos falamos desde o dia da festa. Você sumiu... Não gostou do meu beijo? — perguntou com um leve tom sentido, mas eu tinha certeza que ela estava sorrindo do outro lado. Era só charminho.

Soltei mais uma risadinha.

— Claro que gostei — falei com sinceridade. Eu não era fissurado na Gabriela, como algumas pessoas, mas também não poderia mentir que ela beijava bem. Na verdade, muito bem. — É que... Você sabe, eu estava com meu irmão. Ele ficou meio cansado, com sono. Aí acabei vindo com ele pra casa — expliquei. — Desculpa, Gabi... Será que tem algo que eu possa fazer para me redimir? — flertei.

Assim que me calei, poderia jurar que ela estava com um sorriso de orelha a orelha do outro lado.

— Hummm... — suspirou. Pude ouvir, mesmo através do telefone. — Olha, eu acho que tem sim, viu? — riu um pouquinho. — O melhor jeito de se redimir comigo é me levando ao baile do colégio. O que acha?

Então, eu estava sendo convidado por uma garota para ir ao baile? E essa garota era nada mais, nada menos, que a Gabriela? Os caras de St. Peters morreriam (ou me matariam) se soubessem disso. Certo que a nossa sociedade já era evoluída o bastante para que uma garota normalmente convidasse um cara para o baile, coisa que não acontecia muito antigamente (até onde eu sabia), porém essa garota era a Gabriela. Porra, a Gabriela.

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora