Boa noite, Art

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Daniel


As ruas de Lisboa já estavam esvaziando, pela hora avançada da noite, e, dentro do carro, o silêncio estava tão grande quanto lá fora. Ao meu lado, eu tinha um Arthur muito calado, introspectivo. Estava com o rosto virado, em direção à janela, observando, pensando longe. Seu corpo estava ali, mas eu tinha certeza que a sua cabeça estava em outro lugar.

Só que eu não ia julgar. A minha cabeça também não estava ali. Ela estava pensando nas infinitas possibilidades dos motivos que levaram Arthur a ter agido de um jeito estranho e tão repentino. Nós estávamos tão bem na grama, até que, sem explicação aparente, ele simplesmente mudou. E eu o conhecia suficientemente bem para saber quando ele estava tentando me esconder algo.

Pensei.

Pensei muitas vezes.

Enquanto encarava as avenidas que passavam pelos meus olhos, tentava decidir se tocaria ou não no assunto.

Até que, quando enfim decidi, de uma vez por todas, falar sobre aquilo com ele e tentar descobrir o que tinha acontecido realmente... Olhei para o lado e o vi dormindo. Suspirei com um pouco de desânimo. O sono o pegou mais rápido do que a minha capacidade de falar qualquer coisa. Droga. Eu também não iria acordá-lo somente para isso.

Me dei por vencido.

Além do mais, já estávamos entrando na nossa rua. Não demorei muito a estacionar o carro em casa. Antes de descer, olhei para o lado, mais uma vez, e constatei que Arthur continuava dormindo. Seu sono parecia tão pesado, que ele dormia feito um anjo. Se caísse um asteroide, ele não acordaria. Eu também não teria coragem de acordá-lo para sair do carro.

Art não era muito afeito às festas até tarde. Sempre dormia, mesmo que não bebesse um gole de cerveja (sim, ele não bebia nada com álcool), graças ao seu costume de ir para a cama cedo, desde criança. Pegava no sono em qualquer local, quando dava sua hora de dormir já cronometrada por seu relógio biológico.

E, se acordado já era lindo, dormindo, então, nem se falava. A plenitude do seu rosto ressonando baixinho era impossível de descrever, assim como o desenho praticamente perfeito dos seus traços. Sorri suavemente. Era difícil me conter ao vê-lo assim, e mais difícil ainda seria criar coragem para acordá-lo.

Por isso, sem acordá-lo, desci do carro, dei a volta e abri a porta do seu lado. Tomando o maior cuidado possível para não atrapalhar seu sono e com muito jeitinho, o tirei dali e o carreguei nos braços. Com seu corpo menor que o meu e bem mais magro, eu não apresentava muita dificuldade em levá-lo.

Quando abri a porta de casa, as luzes já estavam apagadas. Nossos pais já estavam dormindo. Com cuidado para não fazer barulho, subi devagar as escadas, mas, não demorei muito tempo a chegar na parte de cima, o andar dos quartos. Logo abri a porta do seu quarto e, com jeitinho, o deitei em sua cama.

Eu adorava sentir que estava cuidando dele. Eu adorava sentir que ele estava protegido. E podia fazer qualquer coisa, sem reclamar, só para ter essas mesmas sensações várias vezes. Tirei seu tênis, sua jaqueta jeans, e o cobri com o edredom. Agora dormiria quentinho. Quando finalizei, ainda fiquei o observando por alguns segundos.

Inevitavelmente, meus pensamentos me levaram de volta àquele momento no jardim da casa da Gabriela. Nós estávamos tão bem e, de repente, Arthur ficou estranhou. Chegou no carro, não disse mais nada e dormiu. O que tinha acontecido, afinal? Mesmo que tivesse me garantido estar tudo bem, eu sabia que não. Eu o conhecia e não era de hoje.

Suspirei.

Talvez fosse melhor deixar essa história para outro momento.

Arthur já estava dormindo e eu também deveria fazer o mesmo.

Doce RendiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora