02 - Aonde perdemos o amor?

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Vicente e eu nos conhecemos ainda muito jovens, no colégio. Como eu estava no meio do ensino médio e ele ja estava quase se formando, não tínhamos muito contato. Mas eu sempre senti algo por ele, era como uma paixãozinha de adolescentes. Eu sempre cheia de livros vivia na biblioteca, e ele envolvido nos esportes. Tão diferentes, mas de alguma forma sempre chamamos a atenção um do outro.
Vicente vem de uma família muito tradicional, e bem sucedida, além disso estava destinado a tocar a construtora que já está a algumas gerações na família. Eu o conheci na transição, da juventude e leveza até o personagem fechado que ele criou para tocar os negócios. Hoje penso que se eu tivesse conhecido ele adulto, jamais teria tido coragem de me aproximar. Mas foi só alguns anos depois, quando eu ja era adulta, que o destino trouxe ele de volta pra mim.
Eu era amiga de Susan, que começou a namorar com Renato, melhor amigo de Vicente. E foi nessa coincidência do destino, que a nossa história realmente começou.
Como todo casal de amigos, eles queriam nos juntar, e ficaram semanas falando de nós um pro outro. Até que conseguiram marcar um encontro "as cegas" entre nós 4, e não apareceram. O rolê virou um date, e me colocou de frente com minha antiga e secreta paixão.
A noite foi muito gostosa, conversamos sobre tudo. Nesse dia mesmo, ele me confessou que ja me olhava e me admirava de longe. Pensei então que era o destino, tinha que ser ele. Naquela altura eu ja nutria um amor por ele, e imaginava se ele sentia o mesmo por mim.
Depois desse dia não ficamos mais nenhum dia sem nos falar, alguns meses depois ele me pediu pra ir morar com ele e logo ja vivíamos como casados. Foi intenso! Mas mútuo.
Eu que morava sozinha, não tive que dar muitas explicações pra ninguém, mas sempre mantive minha mãe atualizada sobre tudo.
Eu fui criada, pelo que me lembro, apenas pela minha mãe. Desde nova ja tinha que saber o que queria pra focar os esforços, então sempre fui muito independente.
Tenho uma relação boa com a minha mãe, o problema mesmo foi a família de Vicente. Eu não era bem o que eles idealizaram para o filho, mas Vicente nunca se importou e até evitava que eu tivesse contato com eles. Mas automaticamente na minha cabeça, o nível subia pra mim também.
Eu que sonhava ser tantas coisas, fui trocando os sonhos por uma profissão mais concreta. Comecei no banco como aprendiz, e fui crescendo dentro da agência. Sempre me cobrei muito e estudei muito também, queria me sentir a altura. Queria ser o que eles duvidavam que eu poderia ser, e ia cada vez me afastando mais de quem eu era.
Quando resolvemos casar, fiz questão de separação total de bens. Não precisava de mais um motivo para a família dele falar algo.
E os anos foram se passando, a rotina nos engolindo, e fomos nos perdendo.
Eu acho que tudo piorou de vez a pouco mais de um ano, quando a irmã de Vicente engravidou e então a cobrança chegou. Eu não uso nenhum tipo de contraceptivo por que quero dar um filho pra ele, mas não sei se por ironia do destino, ou então toda a pressão que eu mesma me coloquei, nunca consegui. E Vicente sofria por isso, pelas cobranças da família e por ter o sonho de ser pai.
Mais um peso que eu carregava.
Percebo que nosso casamento foi sendo consumido pelos pesos que foram ficando, dores que não falamos e fingimos que não doia.
Eu sempre fingi que não me magoava o jeito que me olhavam, como me tratavam, como me evitavam. Fingia pra não magoar Vicente. E pra que afinal, quem me consolaria?
Nos últimos anos ele não me defendia mais, arrisco até a dizer que ele estava do lado da família. E tudo foi se acumulando dentro de mim, eu fui tentando ser mais forte, e quanto mais doía, mais forte eu era. Por fora.
Por dentro já não sentia mais nada, eu ja tinha me perdido de mim mesma, ja nem lembrava meus gostos e meus desejos. Eu estava vivendo a vida dele, e quando ele não estava por perto, eu não existia.

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Acordar ao lado de Vicente depois de tudo o que eu havia decidido, me deixou ainda mais confusa. Será que ainda existia um homem com sentimentos dentro dele? Por que eu acho que estou disposta a salvar o que temos. Me vem muitas lembranças de tudo que vivemos, dos perrengues, da parceria que já tivemos.
Não sei se devo desistir, penso naquele bilhete que recebi na cafeteria, será um aviso? Pra não desistir do amor.
Fico olhando pra ele, tão calmo enquanto dorme. O que será que vai acontecer quando esses olhinhos julgadores se abrirem. Eu o amo tanto, mas ao mesmo tempo não gosto mais dele, faz sentido?
Ele se meche e meu coração acelera, só parece ser de medo. Ando tão ansiosa.
Lembro de hoje pela manhã, de estar na banheira e ele chegar sem fazer barulho. Eu estava tão cansada por passar a noite em claro, que apaguei logo depois que estivemos juntos. Ele parece ter passado a noite em claro também, por que continua dormindo.
Me culpo por não ter conversado, afinal eu pedi o divórcio e depois me deitei com ele. Não faz sentido. Eu não faço sentido.

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