09 - Bem me quer, mau me quer?

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Eu não consigo me lembrar da última vez que vi Vicente, ainda mais sentar assim em uma cafeteria e ter uma conversa civilizada. Estamos conversando sobre assuntos aleatórios e ninguém tem coragem de tocar no assunto proibido. É como uma guerra fria, mantendo boas aparências enquanto a mente quer dizer mais. Até que ele da o primeiro passo e me conta sobre como a família dele ainda pergunta por mim. Eu me agarro nessa deixa pra falar o que está me atormentando tanto, desde que ele apareceu na minha frente.

- Vicente, por que você não assinou ainda? — digo num suspiro só, não faz sentido fingir que o elefante rosa não está na sala. No mesmo instante o sorriso some do seu rosto e ele desvia o olhar.
- Luisa... — diz de cabeça baixa.

Logo em seguida ele levanta a cabeça e me olha nos olhos. Ficamos em silêncio por 1 minuto, que mais pareceu 1 hora. Nesse tempo puder observar tudo nele, a barba sempre feita que agora estava por fazer, olhos fundos e vazios, cabelo por cortar, e não usava ternos como de costume. Não parecia o Vicente que eu estava me separando.
Ele respira fundo, e quebra o silêncio.

- Eu não pude. — diz e engole em seco, parece ter algo preso na garganta.

Os meus olhos ardem, em algum lugar dentro de mim isso ainda machuca. Ele não me valoriza, mas também não me deixa ir.

- Você já fez o mais difícil, me deixou ir. Assinar é só uma simples formalidade. — engulo o choro e tento parecer forte.
- Não diz isso, Lu. Você sabe o que eu sinto por você. — me responde com a voz baixa.
- Não sei. — digo alto e firme.
- Como não? Foram tantos anos juntos. — parece ficar chateado.
- Você realmente não me entende, né? Seu orgulho ainda vai consumir você. — digo e respiro fundo, não quero brigar. — Olha, foi bom tomar um café com você, mas preciso ir.

Levanto da mesa e nem olho pra trás. Quando chego no carro, e toco na porta, Vicente me puxa pelo braço e me encosta no carro ficando muito próximo. Meu reflexo é me afastar, mas então ele começa a falar:

- O que você quer que eu faça? Foi você que me deixou. Provavelmente pra curtir a vida de solteira. — os olhos dele ficam vermelhos e brilham como fogo — Eu pensei que você fosse sentir minha falta, me procurar, mas minha única notícia sua foi um termo de separação para assinar. O que você queria que eu tivesse feito? Me humilhado pra você?
- Me solta, Vicente. — digo e ele solta um riso irônico.
- É isso que tens pra me dizer? Luisa, eu vivi todos esses anos por nós, e você abandonou tudo por uma crise! — diz aumentando a voz.
- Você não me enxergava! — saiu como um grito, e eu não consigo mais segurar o choro. — me solta, você não tem o direito de me cobrar nada! Eu sempre quis resolver nossos problemas, mas você sempre foge! Tudo tem que ser no seu tempo, e eu cansei disso! Assina logo e encerra de vez a nossa história. — digo olhando nos olhos dele, e é como se eu tivesse poderes, por que ele desvia o olhar e me solta.

Eu entro no carro rápido e vou embora. Meu coração está acelerado, as lágrimas vão caindo sem controle, até que o soluços chegam pra me fazer companhia. Ultimamente ando chorando tanto, como se pra lavar tudo de ruim que eu deixei me consumir por tantos anos. Como aquela sujeita que vai criando raízes, precisa de mais esforços pra eliminar.

- Caramba! É meu aniversário! Será que nem hoje? — grito enquanto bato com os punhos fechados no volante.

Sinto que estou descontrolada emocionalmente. Andando sem rumo, de novo. Eu realmente perdi o controle total da minha vida. E será que algum dia eu tive? — Duvido. As lágrimas ja nem pedem licença mais, viramos boas amigas nesses últimos meses que mudaram toda a minha vida. E me pergunto repetidamente o que eu realmente estou fazendo, se de fato estou usando a coragem que tive para viver uma nova vida, ou se estou apenas seguindo o fluxo que a vida vem me arrastando. A tarde nem chegou ao fim, e eu ja vivi 365 dias só hoje. Cogito até em comprar as velas de 30 anos logo, e esquecer dos 29.

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