Era dia de terapia com o doutor Lecter, Gabe optou por transferir seu tratamento, poderia ter escolhido qualquer outro, mas ter a companhia dele parecia tentador demais.Hannibal custava a admitir, mas também gostava de ficar perto dela, saber como a vida dela andava depois de tantos anos, naquele dia especial, Gabe olhava a janela do consultório e reparava em cada gota de chuva que escorria pelo vidro.
— Como estamos essa semana?— Hannibal pegou seu caderno e seu lápis, a admirava de longe, sabia que não estava em perfeita ordem, a conhecia melhor do que conhecia a si mesmo.
— Acho que... bem?— Era uma pergunta, da mais simples, e Gabe não sabia responder, estava avoada, aquilo era sinal de alguma de suas crises.— Eu sinto que estou me perdendo no meio da minha própria cabeça, a presença do meu irmão tem afetado o que eu sinto.
— Seu irmão apareceu?— o doutor Lecter anotava com precisão tudo que notava nela.
— Eu não tô acostumada a sentir por muito tempo, em todas as vezes que senti qualquer coisa, acabou em um surto, assim como quando eu...— Ela segurou para não terminar de falar, suspirou e voltou seu olhar para a janela.
— Assim como quando me deixou para morrer...— O doutor complementou e a garota concordou.
— Qualquer coisa que saía do meu controle me aprova, não quero surtar e acabar machucando meu irmão...
— Acha que poderia machuca-lo?— Hannibal indagou e Gabe bufou, a resposta era clara, e ele sabia qual era.
O que os atrapalhou foi um trovão, a garota sempre havia tido medo de tempestades, era algo que a acompanhou durante a vida toda e continuava por ali.
— Ainda tem medo?— Ele indagou e anotou algo em seu caderno.
— Nunca perdi, apenas aprendi a conviver com isso.— Ela suspirou e então cruzou seus braços, talvez a espera de outro trovão.
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2004
O vento estava uivando lá fora, Gabe não havia pregado os olhos durante a noite toda, Hannibal estava dormindo como se nada o afetasse, em passos leves ela foi até a cozinha, talvez se tomasse algum tipo de calmante conseguisse dormir.
Mas, horas se passaram e para completar a desgraça a luz havia caído, Gabe se entrava no sofá, enrolada em cobertas e esperando o sono bater.
— Está tudo bem?— A voz do homem ecoou atrás dela e a mesma pulou pois achou que ele permaneceria dormindo.
— Atrapalhei seu sono meu bem?— Gabe indagou e então virou-se para o lado que ele sentou, mesmo depois de tanto tempo seu estômago revirava todas as vezes que ele chegavam perto.
Ele a abraçou e colocou sua cabeça em seu peito, fazendo um leve cafuné e tentando a aconchegar o máximo possível
— Acordei assim que você levantou, só não imaginei que estivesse aqui na sala sozinha.— Ele explicou num sussurro, por segundos Gabe passou a gostar daquele tempo.
Eles ficaram se acariciando por um bom tempo, assim que ela pegou no sono, ele a levou para cima e a aconchegou na cama, talvez Hanni tivesse encontrado sua parte do paraíso na Terra e ele tinha olhos e cabelos dourados, uma pena que aquilo duraria pouco.
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Dias atuais.
Hannibal respeitou o momento dela, lembrando de todas as vezes que a viu daquela forma, talvez era um dos únicos momentos em que ela mostrava-se frágil.
— O Gabriel disse que pretende se mudar para cá.— Gabe disse e então passou a não no pescoço.
— Não acha que seria bom ter um rosto familiar?— Lecter indagou e então ela fechou a cara e cruzou os braços.
— Já tive minha cota de rostos familiares, não acha doutor Lecter?— Ela perguntou e virou seu rosto para a janela novamente.
— Não acho que conto, nos conhecemos antes e como estamos em constante mudança, nós não nos conhecemos.
— Hannibal corta esse papo, se acreditasse nisso não teria me deixado viva aquele dia.— Ela levantou-se e então começou a andar de um lado para o outro.— Poderia facilmente ter me matado, mas me deixou lá, com dúvidas e dúvidas.
— Quais tipos de dúvida?— Ele fechou o caderno e levantou-se também, o doutor ansiava pelo momento em que falariam disso na terapia.
— Não lido bem com sentimentos, e desde aquele dia eu tenho sentido, mas não sei o que é, talvez seja só vontade de terminar o que eu comecei.— A garota aproximou-se da janela e pelo reflexo notou Lecter de aproximando, quando chegou perto colocou o longo cabelo dela de lado e cheirou seu perfume, o qual não havia esquecido durante o tempo que se passou, era um cheiro característico dela
— Só garanta que vai fazer certo dessa vez.— Ele sussurrou em seu ouvido, aquilo causou um arrepio que iniciou no pescoço e se estendeu por toda sua perna.
Por impulso a mesma virou-se de frente para seu psiquiatra, colocou a mão em sua bochecha e cravou um pouco a unha na maçã do rosto do homem, queria se convencer de que não queria, ou que não era real, mas sabia que aquela pulga já estava ali, adormecida, mas estava ali.
Hannibal puxou o queixo dela para cima, por instinto os olhos da garota fecharam, sua respiração pesou, e se não fosse o toque do celular dela, eles teriam se beijado.
Ao ouvir aquele barulho, ela voltou ao seu normal e afastou-se de seu psicanalista, o número que piscava na tela era do escritório, Gabe nunca havia ficado tão feliz em ter de trabalhar em um dia de folga.
— Alô?— A mesma atendeu depois de notar que estava há um certo tempo encarando o celular.
— Temos uma coisa pra você agente Edeline.— A voz de Crawford ecoou do outro lado da linha.
— Aonde encontro vocês?— Ela indagou e então encarou Hannibal e por segundos pode jurar ver uma ponta de decepção naquele rosto, era estranho a forma como ela ainda o conhecia.
— Vou encaminhar o endereço por SMS, estamos aguardando sua chegada.— Foi a última coisa que Jack disse antes de desligar o telefone, Gabe guardou o aparelho em seu bolso e suspirou.
— Preciso ir, até semana que vem doutor?— A mesma pegou sua bolsa que estava no sofá e o encarou sorrindo.
— Nos esbarramos no escritório Gabe.
Ele a acompanhou até a porta, e a tensão entre os dois era tão óbvia, mas era completamente impossível um falar para o outro, era como se fugissem do centro de tudo aquilo.
Gabe estava com problemas demais para se envolver com alguém, além do mais sabia que não poderia confiar em alguém que ela já tentou matar, ainda mais quando essa pessoa é Hannibal Lecter.
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Gabe dirigiu com calma até o endereço encaminhado a ela, durante aquele trajeto agradecia o tempo todo por ter ganhado trabalho extra pra simplesmente ignorar o que quase havia acontecido há pouco.
Ao chegar perto, notou uma grande quantidade de viaturas, mais do que o normal, se perguntou diversas vezes o que estava acontecendo ali, antes de descer do carro pegou sua identificação no porta-luvas, assim que passou pelas fitas de isolamento, Jack veio em sua direção.
— Partes de um corpo esquartejado, há duas queixas de desaparecimento nos últimos dois dias...
— Acharam a cabeça?— Gabe indagou enquanto seguia até onde haviam dois sacos plásticos azuis, ao olhar para o braço e mão que haviam sido encontrados, já estipulou que aquilo estava ali há um tempo.
— Ainda não, mas mais partes surgiram, tem outras equipes periciando os locais, logo vamos levar tudo para o necrotério e colocar o DNA para bater de frente, precisamos saber se é a mesma pessoa.— Jack deu a explicação e então a deixou olhando a cena, e novamente aquele nome piscou em sua mente, Will Graham poderia ajudar perfeitamente naquele caso e quem sabe poderia ajudar no caso da família Crain.
[ Continua...]
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Dead memories in my heart | Hannibal Lecter
FanficO quanto uma traição pode mudar alguém? Seria capaz um coração se quebrar, mesmo não tendo ossos? Não, aquilo doía mais que um osso quebrado, era uma dor invisível que só ele sentia, desde então sua vida tem apenas um propósito: Vingar-se de Gabe Ed...