Ponto cego

24 8 0
                                    


* um ano antes do suicídio *

      Na manhã de quinta, acordei já alisando o antebraço lembrando-me do ato de ontem, que foi muito bom por sinal. Fiquei relutante em me levantar da cama e fazer algo que preste, mas minha preguiça falava mais alto, me impossibilitando de sequer ir ao banheiro.

      Murilo tinha mais uma semana no hospital e para mim, pareceu uma eternidade para passar os dias. Eu estava tão ansioso em vê-lo de pé e saudável outra vez que meu coração saltita só de pensar, nunca me senti tão animado na vida assim.

       — Benjamin!! Venha aqui agora! - ouço minha mãe fazendo escândalo ao subir as escadas furiosa -

       — Tá, já vou! - murmuro -

       — Se apresse, aquele seu amigo está te esperando lá em frente do pátio. - ela dita ao abrir a porta -

       — Que amigo? - fico confuso -

[...]

       — E aí Benji, estás bem?

       — Sim, obrigado pela preocupação. - dou um tom sarcástico -

       — Se precisar de alguém para conversar, pode contar comigo que....

       — O que você quer, James? Vá direto ao ponto. - digo impaciente -

       — Eu só queria dizer que eu não fiz nada com o Murilo, nada mesmo.

      Devo confiar?

       — No dia do incidente, eu estava na biblioteca com a Juliana, ela pode te confirmar que estive lá. É só perguntar pra ela....

       — Olha James, obrigado por me contar isso mas não precisa se humilhar tanto assim. - percebo ele quase se ajoelhar de tanto me implorar -

       — É que não quero causar incomodo contigo, naquele dia eu não quis dizer aquelas coisas.

       — Na próxima vez tome cuidado com suas palavras então, por causa disso que eu fui expulso.

      Não me importo com a suspensão, o que me pesou mesmo foi suas palavras. Mesmo ele estando sendo sincero, não sinto verdade no que ouço, é muito difícil acreditar nele. Desde o primeiro dia de Murilo na escola, ele pegava no seu pé, era como ele precisasse de atenção toda hora.

       — Eu sei quem fez isso. - ele frisa com certeza e um tom baixo -

       — Me diga, quem foi o filha da puta?! - dou um tom impiedoso -

...

      Félix, esse era o nome que estava na minha lista negra. Nunca imaginaria ele fazendo esse tipo de coisa, eu sabia que ele era um bosta mas não até esse ponto.

      Fui para o banho assim que James saiu, a tensão estava muito em cima que tive que esfriar a cabeça antes de sair. Minha raiva era tão grande que chorei de ódio por imaginar ele machucando Murilo, por nada.

       — Tudo bem, eu espero ele. - ouço a voz de Sara num tom baixo -

      Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece. Sara decidiu perturbar meu dia indo checar se eu estava bem, que era sua rotina matinal.

      Assim que saí do banho, pus minhas coisas na cama e já observei ela sentada em meu puf mexendo em seu celular. De uma maneira insensível, perguntei a ela o que queria ali mas suas palavras tomaram um rumo diferente.

      Sua desculpa era tão esfarrapada que não pude conter o sarcasmo, claramente ela não sabia mentir. Ela dizia que sentia saudades e que não esperava por me ver nos corredores da escola, mas que pena que não é recíproco esse pensamento.

      Tudo estava correndo " bem " até eu deixar escapar meus pensamentos em voz alta:

       — Aquele Félix me paga....

       — Félix, ele esteve aqui? - sua voz muda o tom -

       — Não, mas o James sim.

       — E o que ele te contou? - seu semblante muda drasticamente -

       — Ele me contou tudo, a verdade daquele dia.

       — Ah... que bom, né? - noto seu desconforto - Pelo menos as coisas foram esclarecidas.

       — Acho que descobri o que Murilo queria me dizer, ele estava tão nervoso. Agora eu entendo.

       — Fiquei sabendo que ele receberá alta semana que vêm...... eu não gosto dele mas espero que esteja tudo bem agora.

      Eu sou muito tapado ao ponto de não perceber as coisas acontecendo bem debaixo do meu nariz, seu eu pudesse voltar nesse dia, muitas coisas teriam tido tomado um rumo diferente.

       — Vai em algum lugar por acaso? - ela pergunta ao perceber que estava me arrumando -

       — Vou visitar o Murilo.

      Ela cerra o cenho assim que digo seu nome e ajeita uma de suas mechas atrás da orelha, supostamente isso era uma demonstração de decepção. Ignorei sua atitude e desci as escadas ainda ajeitando uns fiapos do meu cabelo. Sara ainda frustrada me acompanha até o andar de baixo, sussurrando algumas coisas que me deixou bem curioso.

      Coloquei meus fones e dei play na música aleatória do Spotify enquanto arrumava a marcha da bike, que estava bem zoada. Assim que termino o ato, a levei até a calçada e me pus sobre ela.

      Notei que Sara não tinha dito nem sequer uma palavra durante isso que até estranhei seu silêncio, ela parecia estar em transe ou em estado vegetativo em minha frente. Era surreal.

...

      Assim que cheguei no hospital, me pus sentado na poltrona ao lado de Murilo e o observei ainda adormecido. Parecia que os sedativos tinham sido exagerados, pois fui informado que ele dormia por horas. Fiquei imóvel por alguns minutos preso em meus pensamentos, que estavam a mil. Não parava de pensar naquela lâmina rasgando minha pele e sentir minhas veias pulsarem de prazer, era magnífico.

      Percebi que emagreci uns quilos, meu corpo parecia mais retangular, meus ossos estão bem a vista também. Me senti enojado ao me olhar no espelho desse jeito, como alguém iria gostar disso se nem eu gosto?

       — Benji... - ouço a voz de Murilo trêmula e fraca -

       — E aí, Muri. - digo sem pensar - Como está se sentindo?

       — Muito bem por sinal, acho que meu corpo tá reagindo bem agora.

       — Menos mal, já é alguma coisa né?

       — Afinal, eu queria te dizer algo.... - fico nervoso de cara -

      Murilo se inclina um pouco para frente e fica sentado com às pernas cruzadas, com suas mãos sobre os joelhos e se movendo pra trás e pra frente como se estivesse num balanço. Fico calado e me aproximo mais para ouvi-lo melhor.

      Ele demorou um pouco para começar a dizer alguma coisa que fiquei impaciente com a curiosidade que surgia, meus calafrios começaram a surgir desde então.

       — A pessoa que fez isso comigo foi....

       — O Félix, fiquei sabendo. - o interrompi -

       — Mas isso não é tudo, ele não fez isso porquê quis.... alguém o mandou fazer aquilo. - fico tenso assim que sinto o clima ficar estranho -

       — E quem iria ter tanto poder assim?

How naive am I to the point of nota seeing what's in front of me

The Price of a LifeOnde histórias criam vida. Descubra agora