A Caçadora

297 22 10
                                    

"Aqui estou eu acordando

Ainda não consigo dormir no seu lado da cama

Há a sua xícara de café

A mancha de batom desbota com o tempo

Se eu posso sonhar o suficiente

Você me diria que eu ficaria bem

Eu ficarei bem."

Ghost of You - 5 Seconds of Summer

Estou sentada no chão do quarto dela. O quarto que, pouco a pouco, fui adaptando e customizando para ficar de acordo com seus gostos. E ele ficou. Tanto que não consigo resgatar nenhuma memória envolvendo as outras. Porque as outras são só as outras. Ninguém se iguala a ela.

Encolhida como uma criança, encostada ao sofá, agarrada em seu travesseiro, eu choro silenciosamente. Choro como a criança que um dia fui e que sofreu abandono, rejeição, preconceito e o pior: o desamor materno. Mas nada do que passei se compara a dor que sinto agora em meu peito depois de ter aberto mão da única pessoa que verdadeiramente amei.

Só pode ser amor, creio eu. Nunca fui capaz de abrir mão de nada por ninguém.

Me apaixonei perdidamente por Kaya, pensei amá-la, mas nunca a deixaria partir daqui. Ao menos não viva.

Tudo que fiz até hoje foi pelo meu próprio prazer. Não me importava se estava ferindo pessoas no processo. Sempre fui egoísta, autocentrada, narcisista. Uma verdadeira sociopata filha da puta. Estou ciente disso mais do que nunca agora. Mesmo com Harley cometi erros terríveis, mas acho que acertei ao deixá-la partir.

É uma dor insuportável. Por isso eu choro. As lágrimas caem em abundância pelo meu rosto e não faço nada para detê-las. Aqui embaixo não preciso me esconder nem me mascarar das outras pessoas.

Eu sinto a falta dela como se não a visse há anos, mas faz poucas horas que eu a deixei perto de sua casa, lugar de onde nunca deveria ter lhe tirado. Talvez Harley pertença ao mundo lá fora mesmo. Ela não é como eu. Não é quebrada o suficiente. Não é fodida o bastante para abdicar de tudo o que esse mundo falso tem a oferecer para mergulhar na escuridão comigo. Eu posso compreendê-la, ainda que doa. Eu demorei para escutar o seu clamor de liberdade porque eu sabia como as coisas terminariam. Eu sabia que cedo ou tarde teria de abrir mão dela. E dói como um inferno.

Agora estou aqui sozinha dançando com seu fantasma.

Fecho os olhos com força ao sentir o seu perfume que contamina o travesseiro. Me levanto e vou até a sua cama. Os lençóis têm o mesmo cheiro viciante. Esfrego meu rosto molhado neles. Me encolho na cama e aperto o travesseiro mais forte. Acho que faz anos que não choro assim.

Fico assim até adormecer.

**

Dizem que o luto tem cinco estágios.

Negação.

Raiva.

Barganha.

Depressão.

Por fim, aceitação.

Posso dizer que estou um pouco em negação. Ainda é difícil acreditar que Harley partiu mesmo depois de duas semanas. Sinto raiva também. Uma raiva que me faz quebrar objetos com frequência, igual essa manhã quando praticamente destrui toda a minha sala, incluindo minha coleção de legos e meus copos de cerveja. Os cacos estão espalhados com pedaços de lego por todos os cantos e eu não tenho a menor pretensão de limpar.

Também já cheguei na depressão, portanto acredito que não exista uma ordem nisso. Acho que essas emoções acontecem simultaneamente por tempo indeterminado.

A Caçadora [harlivy]Onde histórias criam vida. Descubra agora