A Caçadora

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Menti quando disse à Harley que tinha afazeres na rua.

Eu costumo aplicar essa mesma tática em todas as cobaias: deixá-las sozinhas por algum tempo até que a ideia de terem sido capturadas se assente em suas mentes ainda resistentes. Elas precisam entender o mais rápido possível o que está acontecendo e se adaptar à realidade, do contrário tudo só será mais difícil.

De qualquer forma, eu tenho sim algumas coisas para fazer aqui em cima, como por exemplo colocar mais filmes em minha câmera fotográfica.

Sim, eu utilizei uma câmera antiga para registrar o retrato de cada vítima e continuarei a fazê-lo. A tecnologia é útil em muitas coisas, eu a adoro, sem dúvidas, mas há algumas coisas que sou um tanto quanto tradicional. Acredito que a experiência de fotografar com rolo de filme, passando por todo o processo até transformar as fotografias é o que dá vida a essa forma de arte tão sublime.

O que eu mais amo sobre a fotografia é porque ela se assemelha à taxidermia em muitos aspectos. Se a taxidermia conserva mesmo após a morte a forma dos animais, as fotografias registram eternamente momentos que nunca mais se repetirão e guardam o rosto das pessoas para sempre.

No meu caso, o que mais gosto de fotografar são as pessoas. As pessoas que trago para cá. Minhas vítimas, embora eu não goste muito de chamá-las assim. Porque elas só se tornam realmente vítimas depois de mortas. Depois de recusarem o meu amor. Então não é minha culpa. Foi uma escolha delas.

É difícil fotografar pessoas quando elas não querem se mostrar.

Ao longo desses anos, dez cobaias estiveram vivendo no meu subsolo. Para cada uma delas eu reservei um verdadeiro álbum de fotos. Na verdade, eu gosto de manter uma pasta com todas as informações que tenho sobre elas desde que iniciei minha caçada até seus últimos suspiros. É a melhor forma de reviver depois o que passei com cada uma delas. É o jeito que encontrei de tê-las comigo mesmo na morte.

Dessas cobaias, algumas foram mais fáceis de lidar do que outras. Tenho muitos retratos de rostos cobertos de lágrimas, expressões de dor e medo, mas muitos de revolta também. Olhares raivosos direcionados a mim, a fotógrafa e carrasca. Mas eu gosto de cada registro, de cada emoção contida neles. Porque é disso que todo meu experimento se trata afinal: de emoções, de ser humano, das conexões que fazemos uns com os outros.

Estou ansiosa para fotografar Harley aqui embaixo, mas também com medo. Receio que ela não será "fácil" a princípio. Não que isso seja de todo ruim. Eu gosto da forma como ela se coloca toda corajosa, mesmo com medo. Foi interessante ver a loirinha me retrucando agora há pouco.

Enquanto não posso tirar as próprias fotografias que desejo, me contento em observar suas fotos do Instagram, inclusive roubei algumas e imprimi para ter em mãos no meu "dossiê". Em algumas dessas fotos, Harley está morena. Às vezes há diferença no tamanho ou no tipo de corte de seus cabelos. É interessante como ela gosta de mudar, de se camuflar. E isso não se limita aos cabelos originalmente loiros, mas às roupas, ao estilo no geral. Tenho a impressão que minha Harley vive à mercê da imposição da sociedade, dos seus pais, de todos ao redor. Buscando aprovação e sempre falhando.

Mas isso está prestes a mudar.

Eis tudo que sei de Harley até agora e que anexei em seus arquivos: seu nome é Harleen Frances Quinzel, ela nasceu dia 19 de outubro de 1999, é libriana com ascendente em áries, estuda Filosofia e Psicologia com notas exemplares na Universidade de Gotham, é viciada em café, chocolate e livros, toca violino desde criança, não tem irmãos e aparentemente não tem amigos também; é herdeira dos Quinzel, donos da fábrica de tecido Quinn; aparentemente tem dificuldades de socialização, suponho que algum transtorno como TDAH e talvez borderline, fuma ocasionalmente, gosta de poesia, suas cores favoritas são vermelho e preto (deduzi pela quantidade de roupas dessa cor que ela utiliza), dirige um fiat mobi easy, adora animais ou pelo menos cachorros (sempre para pra alisá-los na rua).

A Caçadora [harlivy]Onde histórias criam vida. Descubra agora