A Vítima - ou não

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Não pensei que ter as rédeas da situação e exercer absoluto poder sobre Ivy pudesse me deixar com tanto tesão. A sensação de poder que veio junto do chicote em minhas mãos e de vê-la ali, amarrada, presa, completamente submissa, sem poder escapar de qualquer ideia de punição que eu tivesse em mente me fez me sentir como nunca antes em toda a minha vida. Foi muito bom.

Além de que, ao golpeá-la, fosse com o chicote ou fosse por dentro, com o pau, expurguei meus demônios e diminui um pouco o ódio que estava sentindo por causa da sua traição e da sua mentira. Só que acho que me empolguei demais tanto nos castigos físicos quanto nos verbais. Passei dos limites ao dizer coisas que visivelmente machucaram Pamela a ponto de eu ver claramente em seus olhos uma dor palpável. O problema é que fiquei tão cega pela raiva e pelo prazer arrebatador do momento que ignorei as súplicas silenciosas dos olhos verdes, não enxerguei as lágrimas que, quietas, desciam pelo seu rosto enquanto eu a tomava para mim. Só fui me dar conta do quão impiedosa fui mais tarde, ao sairmos do quarto vermelho. Quando já era tarde demais.

Agora Pamela está há quase meia hora imóvel em sua cama, nua, com o corpo todo exposto e cheio de ferimentos. Está deitada em posição fetal após um rompante onde perdeu a cabeça e destruiu quase todos os seus livros - o que partiu meu coração, já que sua coleção é tão memorável. Eu a impedi de cometer uma loucura, afirmando que a amava. Isso foi capaz de detê-la, mas não foi o suficiente para trazê-la de volta a si. Ivy está calada desde então, abandonada sobre o colchão como uma criança inerte, presa no próprio mundinho dentro de sua cabeça. Ela não fala, não se move, sequer olha em minha direção. Acho que está me castigando sem querer.

Me sinto tão culpada que tenho vontade de chorar. Só que não posso. Não é momento para eu me fragilizar e me colocar como protagonista da situação. Quem está ferida e precisando de conforto, bem ou mal, é Pamela. Ela pode ter errado e ter todos os defeitos do mundo, mas eu a amo e eu a machuquei.

- Ivy? - chamo baixinho, hesitante. Me aproximo da cama, e sento na beirada. Seu rosto está virado em minha direção, mas ela não me olha. - Quero falar com você... - estou quase suplicando. Luto contra meus próprios medos e toco sua cabeça cuidadosamente, mexendo em seus cabelos. - Você pode me ouvir?

Ela se move bem pouco, se encolhendo ainda mais diante da minha carícia. Ainda assim, eu continuo. Lentamente fazendo cafuné.

- Eu te machuquei, não foi?! - a pergunta é retórica e estúpida, eu sei, mas escapa da minha boca antes que eu possa pensar muito. Respiro fundo, à beira das lágrimas. - Passei dos limites, eu sei. E, acredite em mim, eu não queria, Ivy. Sou uma estúpida! Fiquei com tanta raiva quando soube da Kaya... - abaixo a voz e trinco os dentes por um momento. - Tanta raiva que eu quis muito te ferir igual você fez comigo. Mas não assim. Não pra valer.

Há um nó apertando cada vez a minha traqueia. Minha voz está vacilante e as lágrimas começam a inundar meu rosto. Quero chorar de soluçar, mas não posso.

Então Ivy agarra minha mão sobre a sua cabeça e a leva até o meio de seu peito, segurando ali. Depois, sobe até a boca e deposita beijos desesperados.

- Está tudo bem, Harley. - sussurra num tom suave, ainda sem me olhar. - Não se martirize. Eu concordei com tudo. Eu deixei que você fizesse o que fosse preciso para se sentir melhor. Já passou.

- Não... Não, Ivy. Você está muito machucada! Olhe para o seu corpo! - falo, enfim entregando meu desespero enquanto observo as marcas vivas em sua pele extremamente branca; há cortes que têm sangue grudado. Da aflição de olhar para o que eu mesma fiz. - Fora que... As coisas que eu disse foram ainda piores.

Ela choraminga ao me ouvir, o nariz funga. Posso ver lágrimas em seu rosto também, mas Pamela insiste em fazer de tudo para não me encarar. Ela gosta de manter a pose de durona. Nem consigo imaginar como deve estar sendo para minha serial killer fingir que não está despedaçada, fingir que eu não acabei de lhe atingir bem no seu ponto fraco.

A Caçadora [harlivy]Onde histórias criam vida. Descubra agora