A primeira coisa que o jovem estudante de filosofia, Noah Albertiniz, notou foi a inquietação causada pela ausência da professora de literatura, na sala de aula. Os alunos da sua turma estavam numa agitação que só. Contudo, Noah estava com um desconfortável mau pressentimento. Não era do feitio da professora se atrasar para suas aulas, que aconteciam religiosamente às quartas-feiras.
Era bem óbvio que aquilo iria trazer um certo furdúncio. Os questionamentos, em condições normais, seriam perguntas fúteis como: “será que ela ficou doente?” ou “a aula vai ser vaga?.
Porém, dadas às circunstâncias, o repentino atraso da mulher trouxe indagações diferentes das costumeiras, que eram misturadas com um certo temor.
Temor, até mesmo de perguntar o que poderia ter acontecido.
[…]
A Professora Morgana Lispect não sabia que o seu tão querido irmão, Aladfar — lê-se com sarcasmo — estava na universidade. Piscou os olhos, atônita, quando entrou, sem pedir licença ou permissão, no gabinete da diretora. A última vez que tinha o visto tinha sido em agosto daquele ano, porém, para a sua extrema alegria, agora ele estava ali. Morgana não nutria os melhores sentimentos pelo irmão; mas não a julguem mal, ela tinha os seus motivos.
Aladfar era, em sua visão, presunçoso e irritante. Fazia tudo de maneira impulsiva, louca e irracional, como um trasgo. Aladfar sempre tinha sido o centro das atenções, enquanto Morgana era apenas a garota esquisitona, que mantinha-se sempre à sombra do brilhantismo de seu irmão mais velho.
Uma sombra.
Morgana era do Clã Lunar. Aladfar, o oposto. Irradiava a luz. As melhores notas, os melhores amigos, a melhor namorada, o melhor cargo; para Morgana, as sobras restavam. Ela, no entanto, era inescrupulosa ao dizer que Aladfar era um cretino.
Houve um dia até mesmo que Morgana fez falsas acusações contra seu irmão. Que se envolvia indisciplinadamente com várias mulheres e que traía sua namorada com essas. Os boatos foram desmentidos rapidamente e a popularidade de Morgana caiu — algo que ela já nem tinha direito, caiu.
Então, ela o matou, como punição. Usou uma chave inglesa, e desferiu vários golpes em sua cabeça. Não tinha força suficiente para isso, mas o seu irmão estava dormindo quando o apunhalou. Mas, por ironia do destino, tivera sido ela mesma quem o trouxe de volta à vida. Ela pediu desculpas, é claro, e disse que tinha se exaltado. Aladfar ficou com um traumatismo cranioencefálico, mas por sorte conseguiu se recuperar. A única sequela, talvez, foi a perda parcial de sua coordenação motora.
Porém, aquela não foi a última vez que Morgana matou seu irmão. A segunda vez, por exemplo, foi com um tiro de espingarda. Na terceira, com uma faca de cozinha. Na quarta, com uma pá [...] e por aí vai. Digamos, a criatividade da família ficou toda para ela.
— Irmãozinho! — disse a mulher, finalmente. — Que prazer ver você por aqui.
— Olá, Morgana — respondeu ele, virando-se para sua irmã mais nova. — Creio que esta seja uma conversa particular. Confidencial.
— Não me interessa — Morgana retrucou, como se dissesse o óbvio.
Aladfar apenas suspirou.
Anaha observava-os, mordendo seu dedo.
— O assunto é particular — repetiu o velho homem, inclinando-se.
— O meu também. E é mais importante.
— Qual das suas periculosidades é mais importante que a segurança do mundo bruxo?
— Eu já pedi pra você se retirar — desafiou Morgana. — É assunto de mulher.
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Le Fay e Montreaux
FantasíaNa renomada Universidade de Artes Místicas Le Fay e Montreaux, excêntricos bruxos e bruxas desenvolvem suas habilidades místicas, ampliam seus horizontes e evoluem seus dons naturais. Com as portas finalmente abertas, os dias prometem ser perfeitos...